12 | Desprezo

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E tudo caiu como uma ácida, lenta e intensa lembrança.

🍷

| 3,5 ANOS ATRÁS |

Eu já havia chegado ao meu limite. Era isso.

Tudo bem aguentar comentários impulsivos sobre quando eu deveria arrumar uma garota, mas isso estava indo a um nível muito desregulado — e a tendência era piorar com o tempo, pois eu sempre os enganaria. Hoje, por exemplo, aconteceu de novo, no jantar.

— Não estou namorando, pai. — Revirei os olhos, deixando meu prato na pia assim que terminei de comer.

— Está, sim — emendou minha mãe, aquela risadinha provocante que eu tanto detestava com ela. — Qual o nome da menina?

Encarei a pia de casa por um longo tempo, concentrando meu rosto em algo físico, enquanto minha mente trabalhava profundamente.

— Acabamos de nos mudar para Veneza. Menos de um mês, sendo mais específico. É exagero acharem que eu já tenho um compromisso sério — murmurei, distante.

E mesmo que nós estivéssemos mudado há três anos ou há uma década, eu jamais tentaria algo amoroso com uma garota — que é o que os dois insistiam em pensar. Desde quando eu nasci. Pobre ilusão...

— Ficando, então? — tentou meu pai. — Não é assim que vocês, jovens, dizem? Ficar?

— Ah, é? — Minha mãe pareceu se interessar pela palavra. — Sendo assim, quem é a garota com quem você está ficando?

Franzi a testa de dor e decepção e virei meu corpo para os dois. Por um momento eu analisei suas feições para ver se em alguma parte delas haveria uma rejeição da minha verdade não muito longe. Nada no cabelo loiro e curto, nos olhos azuis e no rosto um pouco enrugado da minha mãe parecia ser ofensivo; nem mesmo na face do meu pai, onde a estrutura era forte e a, expressão, um pouco carinhosa, com suas íris castanhas clarinhas e maxilar quadrado. Talvez — só talvez — eu pudesse mesmo confiar neles.

O que de ruim aconteceria?

— Eu tenho que dizer algo a vocês — falei, meu corpo apoiado na pia e meu olhar direcionado a ambos, que estavam na mesa, jantando.

— Eu sabia! — exclamou meu pai. — Não tem problema, macho. Pode me apresentá-la amanhã.

Me estremeci quando ele me referiu a um sexo animal.

— Não é nada disso — discordei, cansado de tanta conversa ilusionista. — Não estou namorando, nem ficando com uma menina. — Pausei, sentindo minha respiração ficar tensa enquanto buscava as palavras menos trágicas. — Nunca fiz isso e nunca farei.

Minha mãe, que antes estava fatiando seu pedaço de waffle, levantou seus olhos claros para mim com um quê de surpresa; vi um traço estranho tomar conta do sorriso do meu pai, mas não liguei para nenhum dos dois.

— O que quer dizer? — Senti a voz dele mais firme.

— Acho que sabe o que eu quero dizer.

— Não, eu não sei o que você quer dizer. — Ele balançou a cabeça, o rosto vermelho.

— Eu gosto de homens — soltei.

Os dois foram levados pelo silêncio por um tempo muito arrastado.

Primeiro, notei o peito do meu pai acelerando aos poucos, de modo que as veias de seu pescoço ficassem mais evidentes sob a pele pálida; seus punhos até se fecharam, os dedos da mão direita apertando o garfo com tanta força que eu distinguia o sangue se formando na região da pressão. E, em segundo, minha mãe abandonou seu prato e apoiou os cotovelos na mesa, a atenção estranhamente negativa em mim. Demorei um instante para assimilar esses gestos.

EU ENTREGO MINHA VIDA A VOCÊOnde histórias criam vida. Descubra agora