Capítulo Cinco - Parte 2

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Meu pai estava sentado no sofá da sala, encarando a TV. Ele não falou nada quando entrei, nem quando fechei a porta atrás de mim. Na verdade, ele nem parecia estar vendo nada na televisão. Passei por ele murmurando um boa noite – que não teve resposta – e fui para o meu quarto. Joguei minha bolsa em cima da cama antes de soltar o cabelo e chutar meus tênis para debaixo da cama. Não queria ter aquela conversa com meu pai. O que quer que fosse, ia ser feito, eu tinha certeza. Conseguia contar nos dedos de uma mão as vezes que tinha visto ele encarar a TV daquele jeito, e todas foram antes das piores brigas. Mas não ia adiantar nada fazer hora ali. Na verdade, podia ser pior, porque se minha mãe resolvesse fechar mais cedo e subir... Engoli em seco, peguei a blusa e o short que eu tinha deixado jogados em cima da cadeira encostada na parede e me troquei depressa.

Quando voltei para a sala, ele continuava a encarar a TV. Respirei fundo, parada na porta, e vi Marina parar na porta da cozinha. Balancei a cabeça depressa. Não queria ela no meio disso, o que quer que isso fosse. Ela levantou os ombros e inclinou a cabeça para a esquerda. Balancei a cabeça de novo. Não queria que ela tentasse entrar no meio da discussão. Eu já estava ferrada, de qualquer forma. Ela não precisava se ferrar junto.

Respirei fundo de novo antes de dar dois passos na direção do sofá.

— Pai? Queria falar comigo?

Ele balançou a cabeça, como se estivesse acordando, e se virou para mim. Só então reparei nas linhas novas no seu rosto e em como seu olhar parecia... Envelhecido? Sim, era isso. Parecia que ele tinha envelhecido dez anos ou mais desde a nossa conversa no café da manhã no dia anterior. O que estava acontecendo? Isso não tinha a ver comigo.

Por algum motivo, me lembrei da sensação que tive mais cedo, quando Alexandre entrou na loja. Não, era loucura demais imaginar que aquilo tinha alguma coisa a ver com meu pai querendo conversar comigo, mas... Alexandre apareceu na loja por três dias seguidos, pela primeira vez em dois anos. E hoje, quando chegou, minha vontade era correr para o mais longe possível dele. Duas coisas fora do normal – a forma como ele e Paula agiram e meu pai querendo conversar comigo – numa cidade onde as coisas sempre raramente saem da rotina. Um arrepio me atravessou. Havia uma grande chance de estarem relacionadas.

Meu pai se virou para a porta da cozinha.

— Marina? — Ele esperou até que ela aparecesse ali antes de continuar. — Tenho um assunto sério para tratar com sua irmã, e não quero você nem sonhando em ouvir. Fui claro?

Ela assentiu depressa, olhando para mim rapidamente. Balancei a cabeça de novo. Não queria que ela fizesse nada.

— Vou ficar na cozinha estudando — ela falou antes de assentir de novo e sumir de vista.

Meu pai se virou para mim. Eu nunca tinha visto ele tão sério na minha vida. Engoli em seco. Nunca, desde criança, qualquer discussão naquela casa tinha ficado em segredo. Nunca aconteceu qualquer tipo de "conversa" séria sem minha mãe estar ali também.

— O que aconteceu, pai?

Ele balançou a cabeça, travando o maxilar enquanto se levantava.

— Para o seu quarto.

Obedeci sem falar nada e ele veio atrás de mim. Me sentei na beirada da minha cama, encarando em silêncio quando ele fechou a porta do quarto e parou, olhando para o chão. Alguma coisa estava muito errada.

— Pai, você está me assustando — murmurei. — O que houve?

Ele se virou para mim e de novo tive a impressão de que ele tinha envelhecido do nada – mais uns cinco anos desde que eu tinha entrado em casa. Ele balançou a cabeça e encarou o chão de novo, engolindo em seco.

Refém da Noite - DegustaçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora