Capítulo Dez - Parte 2

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Não preciso de um relógio para saber que estamos na cozinha há horas. Só preciso olhar pelas janelas para perceber que já está começando a escurecer, sendo que desci era mais ou menos uma hora da tarde.

Mas eu ganhei uma verdadeira aula sobre o Outro Mundo – como os seres mágicos se referem a si mesmos. Claro que podem estar inventando todas as explicações, mas duvido. Lavínia, Rodrigo, Aline e Amara explicaram a maior parte, mas Jorge e outros dois metamorfos, André e Daiane, também ajudaram por alguns minutos, e as explicações de todos eles se encaixavam. Não tem como terem combinado e inventado tudo isso só para me enrolar.

De acordo com eles, os seres mágicos existem há tanto tempo quanto a humanidade, só estão acostumados a se esconder. E são muitos, de várias raças diferentes. Bem mais do que eu imaginava, aliás. Ou bem mais do que eu teria imaginado, se pensasse que algo assim pudesse ser real.

O Outro Mundo é dividido em cinco grandes grupos: bruxos, metamorfos, vampiros, demônios e fey. Cada grupo tem seu "governo" e suas regras. Eles funcionam de forma independente e só raramente tomam decisões em conjunto. Faz sentido, já que estão espalhados pelo mundo todo e escondidos.

Os vampiros são exatamente o que eu pensei: se alimentam de sangue, mantêm "rebanhos", em muitos casos, e se organizam em grupos não muito grandes em qualquer cidade de médio ou grande porte. Existe um motivo técnico para não serem considerados demônios, mas ninguém quis explicar isso direito. Os bruxos se dividem em vários tipos de usuários de magia, cada um com um tipo de poder diferente. Feiticeiros, magos, xamãs... Os metamorfos se dividem em clãs, de acordo com o animal no qual se transformam. Rodrigo e Aline são gaviões. André e Daiane são lobos – isso explica os uivos – e deixaram bem claro que isso não tem nada a ver com um lobisomem. Lobisomens são um tipo de demônio, na verdade. E os demônios não costumam interagir com a humanidade ou com o restante do Outro Mundo. Eles ficam em seu reino, que pelo que entendi é quase uma dimensão paralela, e têm sérios problemas com os bruxos por causa de uns tantos feitiços que envolvem invocar demônios e os aprisionar. Os fey são uma coleção de indivíduos e uma ou outra espécie, que dividem entre os fey menores, os fey "humanos" – e eu preferi não comentar nada sobre essa classificação – e os altos fey, que se tornaram mais conhecidos como sidhe, mesmo que isso englobe vários tipos diferentes de fey. Amara é uma duende e Rodrigo um brownie, um daqueles tipos de fey que já li a respeito mas que não faço a menor ideia do que são, e por algum motivo isso é uma piada interna deles. Lavínia é sidhe, mas se recusou a me dizer exatamente o quê.

Minha impressão é de que vou passar semanas pensando em tudo o que falaram. Algumas coisas são iguais ou bem parecidas com o que já li. Sim, sal interrompe magia em andamento e pode fazer uma proteção contra alguns tipos de fey. Vampiros morrem se saírem no sol. Em compensação, metamorfos não precisam da lua para se transformar – mas lobisomens sim.

— Mas então... Bruxos não usam varinha? — Não consigo resistir a perguntar. De alguma forma eu relaxei nessas horas, mesmo que o que estejam me contando seja irreal. Não que eu ainda esteja duvidando. Quer dizer... Acho que me conformei.

Lavínia revira os olhos enquanto Rodrigo ri alto e Aline balança a cabeça. Posso ouvir a risada de Amara vindo da cozinha também. Levanto as sobrancelhas.

— Nada de bruxos com varinhas — Lavínia começa, enumerando nos dedos. — Nada de elfos loiros e gostosos com cabelo melhor que nosso.

— Nem morenos — Aline assente.

— E muito menos vampiros que brilham. Aliás, se algum dia você conhecer um vampiro, nem sonhe em mencionar isso — Lavínia completa.

Levanto as mãos e rio. Não sou louca de fazer uma coisa dessas. Na verdade, acho que se eu ouvir falar "vampiro" ou "demônio" saio correndo na outra direção. Nunca que ficaria por perto o suficiente para fazer um comentário desses. E aliás, estou fazendo esforço para não pensar muito no que eles falaram sobre os demônios. Isso é algo que eu preferia não saber que é real.

Refém da Noite - DegustaçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora