Capítulo Onze - Parte 2

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— Laura.

Dou um pulo quando vejo Alexandre parado do outro lado da mesa. Puta merda, ele quer me matar do coração? E o que ele está fazendo aqui? E...

— Eu bati, mas imagino que não tenha ouvido.

Bem possível. Suspiro e pauso Queen of Rain. Espero que ele não esteja querendo reclamar das minhas músicas. Esse tempo aqui, organizando meu portfólio online e voltando a trabalhar em algumas ilustrações serviu para eu pensar melhor no que estou fazendo e nos meus planos. Minha conclusão mais cedo, de parar de me preocupar por qualquer coisinha, é a melhor coisa que posso fazer. Se tenho que ficar aqui, não vou passar esse tempo todo me encolhendo nos cantos e com medo até da minha sombra. E, de novo: se estou aqui, é por culpa do descuido dele. Não devo nada para Alexandre.

— Estava trabalhando — falo.

— Notei.

Ele continua me encarando, sem dizer mais nada. Mexo nos fios das minhas caixinhas de som. Se ele veio falar alguma coisa, pode falar logo de uma vez e então me deixar voltar a trabalhar. Solto o ar com força, sem me preocupar se estou sendo mal educada. Quem apareceu sem ser convidado foi Alexandre.

Ele ri em voz baixa. Me viro para ele e estreito os olhos.

— Você não está com medo.

Abro a boca para responder e então paro. Ele tem razão. Aquela sensação de violência contida continua ao redor de Alexandre, mas eu mal reparei. Agora que sei sobre os seres mágicos até isso faz sentido. Alexandre é o mais forte de todos aqui. Não é de se surpreender que meu subconsciente sempre tenha tentado me avisar que ele é perigoso.

E eu posso ser louca por isso, mas não vou medir minha resposta.

— Deveria estar? — Pergunto.

— Não de mim. Não aqui.

E eu não vou pensar no que isso quer dizer. Suspiro e me inclino para trás na cadeira. Estou incomodada, e nem sei o motivo dessa vez.

Alexandre estreita os olhos.

— Fique de pé.

Coloco as duas mãos nos braços da cadeira e inclino a cabeça. Não vou aceitar ordens dele. Não mesmo. Ele sorri e balança a cabeça.

— Isso vai dar trabalho...

Não falo nada enquanto Alexandre se vira e pega a cadeira da penteadeira, a colocando do outro lado da mesa.

— A maioria dos seres do Outro Mundo que você vai conhecer aqui são predadores. Mesmo que você não tenha certeza, seu subconsciente provavelmente vai ter. É instinto. — Ele se senta e minha sensação de incômodo passa. — Quando você tem uma pessoa de pé e uma sentada, a pessoa de pé está em uma posição de poder. A maioria das pessoas, humanos ou não, não percebe isto conscientemente. Mas se um predador estiver de pé e você estiver sentada, seus instintos vão avisar que tem algo errado.

Já ouvi falar sobre essa questão de posição superior, mas nunca prestei muita atenção no assunto. E, aqui... Tenho a leve impressão que isso vai ser só o começo.

— É uma posição vulnerável — murmuro. — De presa.

Alexandre assente.

— Então da próxima vez que algum de vocês chegar assim, eu mando sentar? — Pergunto. — Se tenho que prestar atenção nisso de linguagem corporal, fazer isso não seria um desafio?

— Você não tem que prestar atenção na linguagem corporal. Só estava explicando porque você estava desconfortável enquanto eu estava de pé. Com o meu pessoal, pode mandar se sentarem. Agora, com pessoas de fora...

Me lembro de garras na cozinha e não espero ele terminar.

— É melhor eu me levantar. E sair do caminho, se possível.

Ele assente.

— Entendi. Agora, se me dá licença... — Gesticulo na direção do notebook.

Alexandre apoia os dois braços na mesa e se inclina para a frente.

— Eu disse que avisaria quando não fosse seguro sair do seu quarto. Te devo um pedido de desculpas por sábado.

Eu ouvi certo? Se bem que... Sim, ele me deve um pedido de desculpas. Se vai me transformar em uma prisioneira, o mínimo que deveria fazer era garantir minha segurança aqui. Posso não me lembrar exatamente do que que aconteceu, mas me lembro o suficiente.

Não falo nada e ele continua.

— Não imaginei que Gustavo viria sábado, ou teria dado instruções para que não saísse do quarto, já que eu não estaria aqui. Como falei ontem à noite, isso não vai se repetir.

Nada de novo nisso. Não precisava ter vindo aqui falar isso. Era melhor ter me deixado trabalhar. Mas...

— E por que não estava aqui? — Pergunto.

Isso não está encaixando. Se esse Gustavo já é um problema há algum tempo, por que é que Alexandre não estava aqui justamente quando me trouxe para o casarão? Eu o vi no sábado de manhã, quando cheguei, mas depois não vi nem sinal dele. Só ouvi ele conversando com Lavínia, no domingo à noite.

Quase recuo quando Alexandre me encara. A tal sensação de violência contida está mais forte, quase como uma nuvem ao redor dele. Essa pergunta definitivamente não foi minha melhor ideia.

— Eu posso morar aqui, mas minha vida não está restrita ao casarão.

E isso é outra forma de dizer "não é da sua conta". Mas por que tenho a impressão de que isso não é exatamente a verdade?

Alexandre suspira e balança a cabeça. Travo os dentes quando ele não sai do lugar. O que ele ainda quer aqui?

— Você não desfez suas malas.

E agora ele está encarando minhas malas abertas ao lado da cama, com algumas roupas jogadas de qualquer jeito em volta delas. Como se isso fosse da conta dele.

— O que você quer, Alexandre?

Ele se vira para mim, parecendo surpreso.

— Conversar. — Ele dá de ombros.

Ah, não. Ah, não mesmo. Está de brincadeira comigo.

— Não temos nada a conversar.

— Laura...

— Me deixa trabalhar.

Alexandre me encara por um instante antes de balançar a cabeça.

— Eu não sou o vilão aqui.

Ele falou que eu não precisava ter medo, não é? Ótimo, não vou ter.

— Não. Você é a pessoa que me forçou a abandonar minha vida — falo.

Alexandre não responde, só se levanta e sai do quarto, fechando a porta atrás de si. Encaro a porta por um instante, soltando um suspiro aliviado.

Refém da Noite - DegustaçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora