Capítulo Um - Parte 2

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As seis horas da tarde chegaram depressa demais. Desliguei o computador, olhando ao redor. Tinha conseguido fazer tudo o que precisava, incluindo preparar as encomendas. No dia seguinte teria que ir no correio, provavelmente, a menos que Paula decidisse ir ela mesma.

Pensando naquilo, fui até a porta dos fundos e bati. Nenhuma resposta. Se Paula e Alexandre tinham saído, não havia sido pela frente da loja.

— Estou fechando! — gritei.

Esperei mais um pouco e voltei para a minha mesa quando ninguém respondeu. Minha bolsa do Jack Skellinton estava em cima da cadeira e eu já tinha conferido se não estava esquecendo nada. Não que fosse importar se esquecesse, era só o hábito mesmo. Joguei a bolsa no ombro, peguei minhas chaves e apaguei as luzes. Rick já estava na porta quando me virei, e só não dei um pulo de susto porque já estava acostumada com aquilo. Ele esperava eu apagar as luzes para ter certeza de que estava indo embora mesmo.

— Um dia desses você me mata do coração — falei, por puro hábito.

Rick sorriu e se afastou para eu sair.

— Mato nada. — Ele me abraçou por trás e beijou meu pescoço. — Você sabe que sou eu.

Revirei os olhos e não falei nada enquanto puxava a porta de ferro. Rick me soltou quando me inclinei para empurrar a porta até o chão e trancar tudo. Só então me endireitei e olhei ao redor. Algumas pessoas estavam descendo a rua, voltando do trabalho para casa, e os cumprimentei com um aceno de cabeça enquanto jogava as chaves dentro da minha bolsa. Em menos de uma hora já estaria escuro e as ruas ficariam quase desertas. Meu horário favorito.

— Quer ir para onde? — Rick perguntou, enquanto começávamos a subir a rua.

Soltei uma risada.

— Ah, não sei, quem sabe ir para algum lugar diferente...

Ele também riu e passou um braço ao redor da minha cintura. Aquela era uma das desvantagens de uma cidade do interior: não tínhamos muitas opções. E as que tínhamos, como a pizzaria ou o bar, eram de amigos das nossas famílias. Depois de quatro anos fora, eu não tinha mais paciência para ver as pessoas analisando cada gesto ou palavra minha. Especialmente levando em conta que tive que aguentar minha mãe falando por dias sobre como eu estava comendo demais depois de ter ido na pizzaria com Rick. De acordo com ela, eu era mulher e tinha que me preocupar com essas coisas. Ignorei, parei de ir na pizzaria, e só fiquei imaginando qual seria o comentário se eu fosse no bar algum dia. Não, era melhor a gente se sentar na praça, como sempre, comprar um cachorro quente no carrinho da Ivone e talvez um sorvete no caminho para casa. Era mais fácil e evitava falações na minha cabeça depois.

— Um dia desses eu vou tirar o fim de semana de folga, pegar o carro, e nós vamos para BH. — Rick apertou minha cintura e me puxou para um beijo rápido. — Aí você vai me apresentar os lugares que conheceu enquanto estava lá.

— Você está falando isso desde que eu voltei. — Dei um tapa no ombro dele antes de voltar a andar.

— Ei, não tenho culpa se está um caos no escritório.

Ri de novo, sem querer render o assunto. Sentia saudades de Belo Horizonte, sim. De poder sair com as amigas, ir para um bar ou uma boate sem me preocupar com o que a cidade inteira ia estar falando de mim no dia seguinte. Sempre tinha visto as pessoas comentando sobre como tudo era diferente na cidade grande, mas nunca acreditara. A diferença não podia ser tão grande assim, certo? Errado. Sair de Monte das Pedras e ir para BH tinha sido a mesma coisa que entrar em um mundo diferente de tudo o que eu conhecia. Tá, estou sendo um pouco dramática. Mas para uma garota criada nunca cidade do interior onde praticamente todo mundo se conhecia e todo mundo sabia o que era o "certo" e como as pessoas deveriam agir, foi um choque.

E a questão era: eu não queria voltar para BH com Rick. Não ia dar certo. Ele ia passar o tempo todo apontando as pessoas e chamando de delinquentes e vagabundas. Provavelmente ia acabar comprando briga. Eu conhecia meu namorado muito bem para imaginar outro resultado.

— Lau?

Balancei a cabeça, percebendo que já estávamos quase na praça.

— Desculpa, Rick. — Suspirei.

— Estava pensando — ele completou, me encarando.

Sorri.

— Não, estava viajando mesmo.

Ele balançou a cabeça e segurou minha mão, indo na direção do carrinho de cachorro quente de Ivone.

Mais um dia como qualquer outro, mais uma noite como as outras. Tentei não deixar Rick notar que minha cabeça estava longe enquanto comíamos nossos cachorros quentes e andávamos pela praça, antes de ir para a sorveteria. Chegava a ser engraçado, eu tinha vinte e quatro anos, ele vinte e seis, e estávamos parecendo um casal de adolescentes. De raro em raro, quando os pais de Rick viajavam, nós íamos para sua casa, e só. Era o "certo" e o esperado que fizéssemos. E às vezes eu odiava morar no interior.

Na verdade, o problema não era bem esse. Era a sensação de que tudo o que eu queria estava desaparecendo. Sempre tinha sonhado em viajar, conhecer o mundo. Era um dos motivos para querer fazer artes plásticas – eu era boa com desenhos. Trabalhando como ilustradora, dependendo só do meu notebook, ia ser relativamente fácil juntar dinheiro e viajar enquanto trabalhava. Tinha feito todos os planos antes dos dezesseis anos. Mas nada deu certo. Não consegui fazer o curso que queria, tive que voltar para Monte das Pedras, e agora já fazia uma boa ideia de como minha vida seria dali para a frente: me casar com Rick, assumir a mercearia da minha mãe, ter filhos que iam crescer da mesma forma que eu cresci... Não queria que fosse só aquilo, mas não conseguia ver outra opção.

— Lau? Você está mais distraída que o normal.

Balancei a cabeça, sorrindo para Rick enquanto íamos para a sorveteria. Ele era um bom namorado. Atencioso, carinhoso, mesmo que eu não gostasse daquilo. Mas não era culpa dele. O problema era meu. O mínimo que podia fazer era ao menos prestar atenção nele quando estávamos juntos.

— Desculpa. Acho que estou mais cansada do que pensei.

Ele passou o braço ao redor da minha cintura e me puxou, colando nossos corpos. O encarei, notando o quanto Rick estava sério. Respirei fundo, rezando mentalmente para ele não estar pensando em me pedir em casamento de novo.

— Por que você insiste em trabalhar o dia todo no sebo? Sabe que não precisa disso, Lau.

Suspirei.

— Eu gosto. Sabe que não aguento ficar em casa sem fazer nada o dia todo. E é bom ter o meu dinheiro. — Dei de ombros.

Rick balançou a cabeça e acariciou minha bochecha de leve, deixando a mão ali.

— Sabe que não precisa ficar em casa nem precisa desse dinheiro. Já falei que...

Balancei a cabeça e dei um passo atrás. Não queria ouvir mais nenhuma sugestão sobre morar com ele, deixar que ele me bancasse ou qualquer coisa assim. Acho que nem quando tinha dezesseis anos teria aceitado aquilo, com vinte e quatro, então... Sem chances.

— Hoje não, Rick — pedi. — Vamos só aproveitar a noite, por favor.

Ele assentiu, mas eu sabia que aquele assunto não estava encerrado. Ele não queria que eu trabalhasse porque podia me sustentar. Eu só precisava dar meio sinal de que aceitaria um pedido de casamento e Rick começaria a fazer planos.

Quem eu estava tentando enganar? Só estava adiando o inevitável.

Refém da Noite - DegustaçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora