"Dança com o diabo"

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Os outros dois homens mal tiveram tempo para reagir. O corpo gordo de Dúlio tombou para trás ao receber um tiro certeiro na perna, um pouco abaixo da virilha, bem próximo do local do outro ferimento. Urrou de dor enquanto despencava em uma pequena vala. Elias tateava as costas desesperado em busca do revolver 9mm, mas quando finalmente encontrou, já havia perdido metade da face, com a bala que entrara pelo olho esquerdo. Tombou sem vida, enquanto os seus fieis cães corriam assustados com o barulho de cada tiro.

Assim que os disparos cessaram, Irumi retirou as mãos da cabeça e olhou para a pedra novamente. Nem sinal do maltrapilho. O único som que restara eram os xingamentos de Dulio que ecoavam pela mata. A garota pode ouvir perfeitamente o som da escopeta sendo carregada. Não perdeu tempo. Levantou-se o mais rápido que pode, apanhou seu punhal e saltou por cima da vala onde o gordo bêbado estava. Encontrou ele com uma expressão assustada no rosto, costas espremidas contra a lateral do buraco e a escopeta sustentada por uma das mãos. Antes que ele pudesse tentar esboçar qualquer movimento, o punhal de Irumi rodopiou e atingiu o queixo do homem com um gancho. A garota não retirou o punhal até que os espasmos cessassem e uma bolha de sangue eclodisse para fora do papo gordo e molenga de Dulio.

Irumi contemplou o corpo tombar para o lado, sem expressar nenhuma reação. Pelo menos não com o rosto. Suas mãos tremiam e seu calcanhar formigava. Já havia tirado a vida de outras pessoas antes, unicamente para se defender, mas ainda assim, não era algo agradável.

De repente, um aplauso abafado rompeu o silencio. A garota se virou em direção ao barulho e deu de cara com o homem cabeludo, parado a pouco mais que quatro metros. Estava mais sujo que da primeira vez e uma mancha de sangue seco cobria metade do rosto e pescoço. O colete estava rasgado e cravejado pelas balas.

Irumi não se moveu.

- Parabéns, moça! - disse o homem ainda aplaudindo lentamente. - Matou o canalha sozinha.

Ela não respondeu. Não sabia como aquele homem podia estar em pé diante dela, depois de ter tido os miolos estourados a queima roupa a poucas horas atrás. Não duvidara do que vira, e não fossem os corpos dos milicos espalhados em volta, iria jurar que tinha ficado louca.

Os aplausos pararam e o homem sacou a pistola das costas. Apontou para Irumi tão depressa que se tivesse disparado, ela nem teria dado conta de que levou um tiro.

- Agora, seja boazinha e devolve as minhas coisas. - o tom cordial da voz dele sumiu, dando lugar a um intimidador brado.

Ela continuou parada. Mas dessa vez olhou nos olhos por entre a cabeleira desgrenhada do homem. Encontrou os olhos dele, cheios de fúria. Uma selvageria e sede por sangue que jamais imaginou ser possível. Um misto de sensações e desejos, sádicos e ao mesmo tempo...angustiantes. Não era um olhar de maldade, era apenas um olhar feroz. Um olhar animalesco, como de qualquer outro animal feroz.

Observou uma ultima vez aquelas fagulhas brilharem nos olhos do homem, e então por fim falou:

- Eu te vi morrer.

- Ah, pode apostar que viu. - disse ele ainda apontando a arma.

- Por que não está morto?

- Pergunta difícil....vai ver não era meu dia. Onde estão minhas coisas?

- Como sabe que fui eu que peguei? - a voz dela saia quase que um sussurro.

Ele deu uma risadinha com o canto da boca.

- Vi quando fugiu no meio do tiroteio, inclusive atirei na sua direção quando estava fugindo com minha mochila.

- Você podia ter me matado se quisesse.

A REDENÇÃO DOS MALDITOS  | A Cidade dos Santos EnforcadosOnde histórias criam vida. Descubra agora