"Cabeça Ditada"

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Anrieta retornou as ruinas da rodoviária pouco antes do sol nascer. Os guerrilheiros xingavam e lamentavam a morte dos companheiros, enquanto outros se encarregavam de carregar os cadáveres para fora do local. As motos estavam estacionadas ao redor da entrada. A mulher rangia os dentes, enquanto caminhava pelas plataformas cheias de escombro e lixo. O sangue dos milicos estava por todos os lados. Subiu em uma carcaça de um velho micro-ônibus para conseguir visualizar melhor os danos. A condição de alguns daqueles corpos era repulsiva. A jovem miliciana chamada Bia, foi uma das mulheres que se voluntariaram para lutar pela Amizade de Rivera na região da velha Corumbá, afim de proteger o que sobrou da cidade. Os outros companheiros tentavam remove-la dos escombros, enquanto no lado quatro homens faziam todo o possível para erguer as ferragens de um gerador, afim de resgatar o que restou de outro guerrilheiro.

- Anrieta. – um milico careca e pálido se aproximou com um envelope em mãos. – São notícias da primeira frente.

A mulher desceu para a plataforma e pegou o papel. Dentro uma carta, e algumas fotografias. Ela leu atentamente as informações. Depois de um longo silencio voltou-se para o homem.

- Dom Quinto chegou na ferrovia. A tropa vem seguindo o rio acima, pela antiga estrada de ferro. Vão estar aqui antes do fim do dia.

O homem mascava um punhado de erva preta.

- Acha melhor voltarmos? – sua voz era enrolada e mal se fazia entender.

Ela voltou-se para os corpos, os olhos arregalados e sem vida de um de seus amicos a encarava de volta.

- Onde está o caçador e a garota? – questionou ela.

- Como diabos eu vou saber? Simplesmente sumiram do mapa. Estamos procurando por todo o canto. Simplesmente desapareceram. – o homem gesticulava freneticamente ao falar.

- Não vou deixar a morte de nossos amicos passar impune.

- Natanael ainda está no acampamento, mas despachou todo mundo para vigiar a ponte e espalhar os explosivos pela estrada.

Anrieta deu um empurrão violento no homem que por muito pouco não se desequilibrou e caiu.

- Está dizendo que Natanael está sozinho no acampamento?

- É! Não temos culpa. Ele mesmo mandou metade do pessoal para as fronteiras e a outra para vigiar a mina de carvão. Deve ter sobrado uma dúzia com ele, mas não sei dizer. Sem falar que graças a você, as motos estão quase sem combustível.

Ela esmurrou o homem no nariz, a erva preta que estava mastigando foi projetada para longe, quando ele soltou um grito de dor.

- Seu merda! Sabia que esse caçador está indo diretamente para ele? A cabeça dele está a prêmio e vocês o deixam sozinho? – ela cuspia cada palavra com rigidez. – se Natanael for capturado, está tudo acabo.

- Ai...ai... sua vagabunda horrorosa. Não venha me culpar... foi ideia sua trazer esse monte de gente para cá, atrás desse estrangeiro.

Anrieta o chutou com força no joelho.

- Volte imediatamente para o acampamento. Avise que estamos indo assim que enterrar os mortos. Mande todos os guerrilheiros que encontrar de volta para lá e não importa o que Natanael disser, ninguém saia de perto dele, entendeu?

O homem choramingou de dor mas logo se apressou em direção a motocicleta estacionada

-Ei! – chamou Anrieta. – Sem moto.

A REDENÇÃO DOS MALDITOS  | A Cidade dos Santos EnforcadosOnde histórias criam vida. Descubra agora