A primeira rajada de balas trespassou a porta sanfonada, com um ruído infernal dos rifles que cuspiam balas sem parar. A gritaria e os disparos só cessaram quando a entrada veio a baixo com um baque metálico ecoando por todo o antigo terminal. Cinco homens entraram xingando e berrando desorganizados, levantando os rifles para o alto e chutando o que sobrou da porta retorcida. Os feixes de luz vindo das lanternas iluminavam e cruzavam o espaço das plataformas iluminando boa parte do lugar. Mais tiros, dessa vez vindo do lado oposto da rodoviária, e o barulho de vidro se estilhaçando anunciava a chegada de mais quatro guerrilheiros. A passos apressados, se reuniram na guia próximo a uma carcaça pichada de um ônibus. Todos com os rifles e pistolas preparadas para disparar a qualquer minuto. Um dos homens sacudia a cabeça em tiques temporários, enquanto que outro mordia o lábio inferior com tanta violência que um filete de sangue escorria pelo canto da boca. Dividiram-se em dois grupos, para cobrir uma área maior, se esgueirando em meio as pilhas de escombros e caçambas tombadas, enquanto que outros seguiam direto pelas vias entre as plataformas. O som de passos no teto confirmava que seus companheiros cercavam o galpão por cima também. Vasculharam o lugar até serem atraídos pelo brilho da fogueira, que ainda queimava, embora com menos intensidade. Um milico bigodudo, olhou ao redor e fitou o olhar em um ponto distinto. Algo brilhava nas sombras, refletindo a luz da fogueira. Separou-se dos demais companheiros e foi verificar mais de perto. Com cuidado, foi avançando, afastando as latas no chão, com a arma engatilhada para qualquer emergência. A luz da lanterna subiu lentamente para iluminar a fonte do brilho.
O homem deu um pulo para trás ao ver um rosto flutuando, sem corpo no meio da escuridão. Era um rosto de um homem. Os olhos estavam saltando para fora das orbitas numa expressão de horror, enquanto a boca se contorcia pelo susto, contornada por um bigode sujo e assimétrico. Após um segundo sobressalto, o guerrilheiro reconheceu sua imagem refletida no espelho retrovisor, do ônibus tombado na plataforma ao lado. No primeiro momento quase morrera de susto, mas depois desatou a gargalhar baixinho de si mesmo. Estava tão apreensivo pela missão que não notou seu próprio reflexo. Pensar naquilo o fez rir mais ainda. Sacudia os ombros e jogava a cabeça para trás, ainda sem acreditar na idiotice que acabara de fazer. Ria tanto que mal percebeu quando o reflexo de um homem cabeludo se aproximou pelas costas. Quando ergueu a cabeça para olhar o espelho mais uma vez, já era tarde demais. O sorriso debochado de Slasher foi a última coisa que viu antes de ter sua cabeça espatifada contra o vidro.
O grito pavoroso que preencheu o silencio no galpão fez todos correrem em direção a segunda plataforma, berrando disparados para ver o que acontecera. Mas um dos guerrilheiros simplesmente desabou no chão atrás do grupo, apertando a garganta com as mãos ensanguentada. Os outros pararam e olharam o homem sangrando sem entender nada, um corte profundo na traqueia. Quando apontaram as lanternas para o lado esquerdo viram uma garota magra, apoiada sob um banco velho segurando um par de facas tingidas de vermelho com o sangue do guerrilheiro. Ela olhava fixamente para os homens, que olhavam de volta, perplexos com a cena. Durante meio segundo ninguém fez nada, até que a jovem deu o bote, atirando-se entre o grupo, girando as facas entre os dedos.
Dois dos homens deram um pulo para trás e tentaram desviar dos golpes horizontais das facas. Um terceiro não teve tanta sorte, e sentiu o aço rasgar seu queixo por baixo, enquanto a outra lamina trespassou seu olho violentamente. Irumi recolheu a faca do corpo que tombou, e saltou para trás, desviando de uma coronhada que outro milico havia desferido. A distância era muito pequena para que pudessem disparar sem atingir uns aos outros. Todos os homens deviam ter quase o dobro de seu tamanho, o que lhe permitia desviar e mover-se facilmente entre as pernas, e por baixo dos braços dos guerrilheiros confusos. Um dos homens a agarrou pelas costas, durante um salto. Sem perder tempo, a garota girou as facas nas mãos, voltando a lamina para cima e contraiu os braços, apunhalando o homem nas laterais. Assim que se soltou, ela girou por cima dele, passando a faca pelo pescoço em um movimento rápido. Um dos militantes tentou atingir um chute na garota, mas com um rodopio para o lado, ela conseguiu escapar facilmente e aproveitou o balanço do corpo para estocar a barriga do outro homem desatento. Girava com muita facilidade, e suas pernas se flexionavam muito rápido, evitando os golpes desajeitados daqueles homens. Eram guerreiros mal treinados. Sabiam usar bem as armas a distância, mas eram deprimentes em combate corpo a corpo.
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A REDENÇÃO DOS MALDITOS | A Cidade dos Santos Enforcados
General FictionO ano é 2033. O mundo se encontra mergulhado em conflitos entre nações, lutando por recursos naturais já escassos em boa parte do planeta. Um manto de poluição cobriu o globo, escondendo o sol sob um véu cinza nos últimos 6 anos. As grandes nações...