Itália, Capela Viscontina, alto santuário da Igreja da Grande Fé do Ocidente.
Irmão Castillo fitava o horizonte tingido de um laranja apático, com uma expressão vazia. Direcionava o olhar para muito além das centenas de pequenas residências abaixo da gigantesca catedral milenar. O velho apoiava as mãos calejadas e rugosas no parapeito de mármore esmaltado. Os nós dos dedos eram protuberantes, e havia vários sulcos e pequenas fendas no dorso das mãos, talhadas pelo tempo e por uma vida inteira devotada aos ensinamentos da fé. Os olhos cansados e o rosto fino, bem como o nariz alongado e o queixo recolhido, contribuíam para reforçar ainda mais a figura frágil do homem na casa dos oitenta.
"Bergólio di Castillo".
Assim era chamado a muito tempo atrás. Antes de o "irmão" ocupar a posição de seu primeiro nome. Antes mesmo de ser "padre" - um dos poucos títulos remanescentes da época antes da reforma religiosa, que uniu boa parte das crenças em uma única doutrina: a fé. Fé de que humanidade sobreviverá as guerras que estão por vir. Fé de que o planeta se cure de tantos anos de devastação. Fé de que todas as vidas ceifadas até então, não tenham sido desperdiçadas inutilmente.
O sol nesse lado do mundo ainda brilhava com mais intensidade do que em outras partes do globo. O manto cinzento que escondia o astro rei continuava ali, mas muito menos denso do que no hemisfério sul. Pelo menos era isso o que os outros monges relatavam durante suas viagens missionárias.
O velho deu alguns passos para trás e sacudiu a poeira fina sobre o véu superficial que cobria o manto negro. Virou-se para o corredor de arcos góticos, e viu um outro monge se aproximando do lado oposto.
Era bem mais baixo do que o velho Castillo, levando em conta que o ele media mais de 1,80m de altura. Além disso, era possível ver a dificuldade com o qual o homem andava devido o corpo roliço. Era gordo, com a face rosada e tufos de cabelo saindo pelas laterais do cocuruto. Ainda que muito caricato, seu semblante passava uma serenidade, que muitas vezes admirava até mesmo o próprio irmão Castillo.
- Espero que não esteja pensando em voar. Seria o pássaro mais feio de toda a Itália, irmão Castillo. – disse o velho gordinho, com um leve sorriso jovial.
O monge sorriu de volta.
- Acredito que não voaria muito longe, irmão Peres. Fui criado em cativeiro. Dócil demais para ser uma ave de rapina.
- Não seja modesto. Ninguém aqui tem olhos tão bons quanto os seus, meu velho. – ele se aproximou do parapeito e observou a vista, assim como o primeiro monge fizera.
- Que lugar horrendo, não? Quantas casas devem existir ali embaixo? Centenas? Acho que talvez alguns milhares... e olhe só quantos tubos e canos saindo de seus telhados e ruas... uma cidade tão grande, e nenhuma viva alma, além de nós. – irmão Peres, observou com tristeza o cenário. – tamanho abandono, a troco de quê?
- Ganância. Poder. Sobrevivência do mais apto. – respondeu irmão Castillo.
- Chega a ser melancólico soar o sino para missa nessa cidade, para não dizer desnecessário.
- Se não o conhecesse bem, irmão Peres, diria que está caçoando de nossas tradições. – disse o sacerdote esguio com um sorriso frouxo.
- Se me conhecesse melhor do que pensa, saberia que de fato estou. – respondeu o velho gordinho. – Venha. Vamos caminhar.
Ambos saíram por um corredor comprido de chão de mármore, onde nas laterais haviam várias colunas circulares de pedras dispostas em pares e esculpidas com vários temas florais que sustentavam um teto abobado, com vários afrescos de rostos os quais ninguém se importava em parar para encarar.
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A REDENÇÃO DOS MALDITOS | A Cidade dos Santos Enforcados
General FictionO ano é 2033. O mundo se encontra mergulhado em conflitos entre nações, lutando por recursos naturais já escassos em boa parte do planeta. Um manto de poluição cobriu o globo, escondendo o sol sob um véu cinza nos últimos 6 anos. As grandes nações...