Pajengo

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 Pajengo era um vilarejo pequeno, formado por dezenas de casas retangulares de taipa, pouco afastado da orla da floresta pantaneira e um dos últimos povoados que não fora dominado pelas forças da Amizade de Rivera. Ao menos, não ainda. Sua localização não era propriamente um bom ponto estratégico, já que ficava alguns quilômetros de distante da estrada principal e outras tantas milhas da antiga linha férrea. Geograficamente falando, era um ponto morto naquela região. Completamente cercado por arvores petrificadas e assentado sobre um terreno acidentado, era um lugar desinteressante para fins estratégicos, tanto do ponto de vista dos guerrilheiros, quanto do exército.

Do alto da colina, sobre a sombra dos galhos secos das arvores mortas, Irumi observava o vilarejo, que aquela distancia parecia abandonado. Nenhum sinal de habitantes, apenas alguns porcos do mato rondavam em volta das casas deterioradas. Ainda que a quietude daquele lugar levasse qualquer um a acreditar que não houvesse ninguém ali, Irumi sabia que os moradores estavam todos à espreita.

A garota se virou para o caçador de recompensas, que estava recostado em uma arvore com o tronco rachado.

O corpo de Slasher estava coberto de pequenas cicatrizes dos ferimentos de bala, causados pelas rajadas que recebera durante o confronto com Natanael na clareira. O joelho esquerdo não parava de doer, e a ferida continuava exposta. Seus músculos estavam rígidos e pelo que via, iam demorar muito para voltar ao que eram antes. Mancou durante todo o caminho. Fora obrigado a seguir a garota, se embrenhando pela mata, afim de desviar dos batedores da Amizade que vigiavam as estradas de terra e as trilhas mais abertas. O cheiro de sangue estava impregnado em todo seu corpo, e o ferimento no joelho começava a exalar um odor muito desagradável.

- Essa porra está demorando mais do que o normal para sarar... – resmungou ele sacudindo a cabeleira impaciente. – O que está esperando, fedelha? Já deveria estar lá embaixo.

- Preciso esperar. Não é boa ideia descer lá agora. Acho mais seguro irmos quando anoitecer. - ela se sentou em uma pedra e apanhou a mochila que estava ali. Observou novamente o caçador de recompensas, que agora se ocupava em limpar a navalha da exótica espada com cabo de guitarra.

- O que é essa coisa?

Slasher se manteve calado durante alguns instantes até resolver falar, ainda sem olhar para a garota.

- É uma espada. Diferentona, não acha?

- Não se parece nada com que eu tenha visto antes. – ela observava os detalhes da arma.

- E de fato não é. – ele apoiou a lamina na perna estica, e apontou com o indicador. – Está vendo a lamina negra? Isso é um feito de minério muito especial. Não existe mais dele em parte alguma do mundo. Os monges da Grande Fé chamavam de luminífero, os cientistas de cendrilium. Eu chamo de 9Ember.

Irumi olhava atenta para a lamina escura da espada. A superfície era tão lisa que refletia a mata ao redor. As cordas que saiam do braço da guitarra atravessavam boa parte da lamina, parando um pouco antes da metade da espada. As três linhas metálicas não chegavam a tocar o cendrilium, ficavam suspensas, paralelas, a mais ou menos meio centímetro da chapa de metal negro.

- Esse mineral tem alguma ligação com as chamas não é mesmo?

- Bingo. - Slasher continuou a lustrar a espada enquanto falava. – Você viu o que acontece quando me aproximo do fogo. As chamas me perseguem. É... essa é minha penitencia. Posso sobreviver a tiro de escopeta na cabeça, mas tenho que fugir de uma fogueira se não quiser virar torresmo. Doce ironia, não acha?

Por mais absurda que fosse aquela conversa, Irumi começava a enxergar alguma coerência em tudo aquilo. Isso explicava o porquê as brasas da fogueira pularam sobre Slasher na rodoviária abandonada, e porquê o fogaréu do lança-chamas mais parecia um dragão enfurecido investindo contra o caçador.

A REDENÇÃO DOS MALDITOS  | A Cidade dos Santos EnforcadosOnde histórias criam vida. Descubra agora