Slasher terminara de embrulhar a 9Ember com as tiras de couro do pacote que antes cobria a espada. Ao menos parecia ser couro. O material tinha uma textura muito semelhante, embora não fosse propriamente um tecido. De certo, estaria mais para borracha do que qualquer outra coisa. Slasher não sabia o que era. Nunca soube. Apenas se apoderou do invólucro, assim como se apoderara da espada.
Ele deitou a espada sobre uma pedra irregular e esperou.
Passaram-se alguns minutos até que a superfície das tiras começou a borbulhar. Um forte cheiro químico subiu pelos ares e ondas de vapor foram baforadas para cima. A espada estava cozinhando as tiras de couro sobre a lâmina. Mais e mais bolhas surgiam à medida que outras estouravam enquanto o couro negro se transformava em uma escura massa viscosa e fumegante. Logo, toda a solução negra envolveu a arma exótica, escorrendo vagarosamente por toda a extensão da 9Ember, isolando apenas o cabo de guitarra, e aos poucos foi tomando forma mais retangular. Por fim aquele piche pegajoso retornou ao estado sólido e borrachudo a medida que as nuvens de vapor se desfaziam no ar.
O caçador apanhou a espada, embrulhada em sua nova embalagem e começou a analisar o novo invólucro. Já perdera a conta de quantas vezes presenciou aquele processo incomum. Tão misterioso quanto o próprio mineral da lamina, esse tecido ou elástico ou o que quer que fosse, reagia unicamente a espada. Era como se fossem reagentes diretos ou algo do tipo. No fim das contas não importava. Slasher preferia acreditar que era uma bainha. A única bainha capaz de suportar o peso das vidas que aquela arma havia ceifado todos esses anos.
Encontrou umas ranhuras aqui e ali no couro, outras partes com pequenos furos, tão insignificantes quanto pequenos caroços de laranja. Nada que pudesse comprometer o material. Tateou uma abertura na parte de trás do embrulho.
Ah.. ainda está aqui.
Deslizou os dedos por uma diminuta fenda vertical até que por fim o couro cedeu, alargando-se para os lados, como se um zíper invisível estivesse sempre ali. Slasher apanhou um punhado de notas e moedas de dólares globais que estavam nos bolsos da calça surrada e começou a depositar dentro do invólucro negro. Aos poucos a mochila foi se enchendo à medida que o dinheiro ia se acumulando no fundo.
O caçador de recompensas tateou o pescoço e encontrou sua plaqueta – aquela que a jovem garota nativa tentara lhe roubar desde que chegara ali. Examinou a peça com mais atenção. Já estava bastante gasta, mas por mais que os anos se passassem ela jamais perdia aquele brilho misterioso. Slasher virou a plaquinha e deteve-se durante alguns segundos lendo as sete letras talhadas ali por ele mesmo: S-L-A-S-H-E-R.
- Que nome mais babaca. – disse ele a si mesmo, com um sorriso debochado.
Seu reflexo surgiu na lateral da plaqueta. Seus olhos alaranjados destacavam-se no rosto distorcido que o espelho mostrava e o encaravam de volta com uma intensidade perturbadora.
Slasher sacudiu a cabeça e retirou o colar do pescoço. Atirou-o no fundo da bolsa de couro e novamente tocou a fenda com os dedos da mão direita, enquanto a outra mão se encarregava de apoiar o instrumento. As tiras de couro entrelaçaram-se em uma trama, que pouco a pouco encobriu a abertura, ocultando a espada.
Slasher pousou o pacote do lado do tronco em que estava reclinado. Esticou a perna mais uma vez, ainda estava sentindo aquela irritante dor aguda passeando pelo joelho.
Malditos guerrilheiros.
Se soubesse que ia se meter em tanta confusão assim teria seguido direto pela estrada, ao invés de se aventurar na mata fechada.
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A REDENÇÃO DOS MALDITOS | A Cidade dos Santos Enforcados
General FictionO ano é 2033. O mundo se encontra mergulhado em conflitos entre nações, lutando por recursos naturais já escassos em boa parte do planeta. Um manto de poluição cobriu o globo, escondendo o sol sob um véu cinza nos últimos 6 anos. As grandes nações...