III

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-Tyler, não vai comer, querido? - a mãe do garoto entrou no quarto, vendo que o mesmo estava olhando a árvore que se encontrava próxima de sua janela e desenhava algo no seu caderno.

-Já vou. - falou sem ao menos tirar os olhos do caderno.

Kelly deu um sorrisinho de lado e pegou o cesto de roupa suja do garoto, aproveitando para dar um beijo na cabeça do mesmo e sair do quarto encostando a porta.

Ele passava o lápis com certa força no papel, fazendo linhas grossas e firmes. Olhando uma última vez para a árvore, sentiu seu coração relaxar. O pássaro que ele passara os últimos 10 minutos desenhando parecia ter notado que ele acabara o desenho, então voou. Livre.

Tyler sorriu e olhou o rabisco, então decidiu arrancar a página. Pegou um pouco de fita adesiva e a colou junto com muitos outros desenhos de pássaros que ele começara alguns anos atrás. Na verdade, 3 anos atrás.

Lá em baixo, ele ouviu um burburinho. Estranhando, e sentindo seu estômago doer de fome, ele colocou seu casaco cinza, um pouco velho e botou um gorro preto na cabeça, calçando os tênis logo em seguida. Assim que amarrou o segundo cadarço, sua porta foi aberta.

"Parabéns pra você!" sua família cantava. Ele, depois de se recompor do susto, se levantou e apagou as velas do bolo trazido por sua mãe. Todos deram um abraço no garoto que completava 15 anos e desceram para comer uma fatia do lindo bolo de chocolate com morango que Kelly tinha feito.

Tyler não estava triste, mas também não estava feliz. Sabia que seu irmão Jay não estava muito interessado no seu aniversário, ao contrário do bolo que comia. Seu pai já havia saído para trabalhar, o que não era novidade. Seus irmãos começaram com o assunto de "férias", pois finalmente o ano estava acabando e eles se sentiam livres da escola.

Tyler não pode deixar de sorrir, pois uma coisa que odiava era a escola e as pessoas idiotas dela. Havia voltado ao colégio naquele ano, pois Kelly estava com problemas em achar um professor particular livre nos horários que podia. Tyler não queria deixar a mãe preocupada e disse que voltaria a estudar no instituto, a mãe parecia muito feliz com a notícia. Mas Tyler não.

Foi um ano muito difícil para ele, nunca se sentia bem com os outros alunos. Já tinha virado rotina para o garoto se sentar na cadeira mais isolada da sala de aula e rabiscar seu caderno. Todos o olhavam com... não sabia. Pena? Medo? Tyler não ligava, nunca conversara com eles, mas o pouco que escutava dos assuntos eram sempre coisas fúteis e idiotas que eles viam na tv ou compravam.

Ele odiava aquele lugar.

Mas seu quarto também não era o melhor lugar do mundo. Não quando se via coisas estranhas e se sentia sufocado.

Desde que se lembrava, Tyler não se sentia como as outras crianças. Costumava sentar e rabiscar, odiava assistir tv, pois só passavam programas idiotas ou notícias trágicas. Não tinha amigos e Tyler nunca se sentiu mal por causa disso. Ele achava que era melhor assim.

Porém, no silêncio do seu quarto, ele revia esses pensamentos e sua mente não era tão severa. Ele se odiava também. Odiava não ser como os outros, não gostar de brincar no parque, não gostar de assistir desenhos animados como os irmãos. A confusão na mente de Tyler o deixava nervoso ao ponto de deitar na sua cama o dia todo. Só tinha coragem de levantar quando escutava algum canto de pássaro fora da sua janela e quando a abria, Tyler era feliz.

Ele não tinha certeza, mas Tyler gostava de pensar que os pássaros apareciam para lhe lembrar que ajudara aquele casal com seu ninho. O Tyler de 12 anos observou todo o processo, até comprando comida e água e botando na janela do seu quarto. Um dia, quando a abriu, o passarinho tinha nascido. Aquele dia foi o melhor dia para Tyler.

Então lá estava ele, com 15 anos, no parque, usando seu novo moletom preto escrito "Ohio". Normalmente odiava ganhar presentes, mas desta vez ele se viu adorando o moletom. "É seu aniversário, que tal irmos todos ao parque? Você se senta em algum lugar para desenhar e seus irmãos vão jogar bola ou andar de skate. Pode ser?" sua mãe dissera. Ele concordou, não porque queria, mas porque sua mãe sempre fora a melhor pessoa para ele, então que ele fosse para ela também.

Kelly sabia que seu filho tentava a agradar, e ficava muito contente com isso. Mas era sua mãe, sabia o que se passava na cabeça do filho. Perdeu a conta de quantas vezes tinha visto o garoto deitado na sua cama, chorando. Ela fazia de tudo para o animar, sem muito sucesso. Mas de uma coisa ela tinha certeza: Tyler era feliz quando desenhava, mesmo que seus desenhos não fossem os mais felizes.

O garoto encontrou um banco afastado das pessoas que jogavam nas quadras cobertas, protegidas da neve que começava a cair. Ele se encolheu quando um vento gélido bateu no seu rosto, fazendo-o ajeitar o gorro preto na cabeça. Olhou então o cenário na sua frente, árvores se estendiam no parque que tinha uma fina camada branca no chão. Ele observou por um bom tempo até achar um ponto fixo pra desenhar, então abriu o caderno e começou.

Haviam se passado somente 10 minutos, mas o garoto havia acabado. Depois de anos desenhando, ele estava contente com seu progresso, estava cada vez melhor.

Então ele escutou um forte latido e viu um cachorro marrom correndo em sua direção com um graveto na boca. Tyler olhou para o cachorro que abanava o rabo enquanto soltava pesadamente o graveto na sua frente, latindo para que o menino pegasse. Tyler estava prestes a se abaixar quando notou os olhos do cachorro: mocha. O labrador de cor de chocolate estava tão animado que não conseguia parar de pular, esperando a mão tão próxima de Tyler pegar o graveto, mas o garoto não conseguia se mexer.

-Será que...? - cogitou, mas ele apenas balançou a cabeça afastando aquele pensamento e jogou o graveto, nem tão longe, nem tão perto. A felicidade do animal que correu o mais rápido que pôde fez Tyler sorrir. Era normal labradores marrons terem esta cor de olho... Certo?

Então alguém gritou "Alien?!" fazendo Tyler olhar ao redor. O que viu o deixou tão impressionado que ele arregalou os olhos e abriu levemente a boca. Um garoto, aparentemente da sua idade corria com uma coleira na mão, procurando algo. O cachorro, deduziu Tyler.

Porém, ele não pensava no cachorro agora, mas sim nos cabelos roxos do garoto que usava um casaco preto pesado de gorro felpudo. Ele parou de correr e viu o labrador voltar para Tyler com o graveto na boca, eles se encararam e Tyler teve quase certeza de ver o garoto sorrir.

Mocha (Joshler) [EM PAUSA]Onde histórias criam vida. Descubra agora