XI

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Quando você sabe que pode confiar em alguém?

Como ter certeza que aquela pessoa é a certa para contar seus segredos, para confessar algo, para escutar os seus sentimentos mais puros, para apoiar suas decisões?

Você sabe exatamente em quem confiar?

Tyler encarava aqueles olhos com a maior certeza que já tivera.

Sentados no quarto do aspirante a baterista, eles se olhavam em silêncio. Os dois estavam na cama com os pés cruzados e mãos no colo. Tyler havia tirado o casaco, revelando sua camisa branca, depois de Josh muito insistir para que ele não escondesse suas cicatrizes. Mas, ao contrário do que Tyler pensava, ele não estava as olhando, não estava brigando com ele ou o olhando com nojo. Estava apenas ali, com aquele olhar neutro, sem dizer uma só palavra esperando que ele falasse. O garoto, depois de respirar fundo, encarou as mãos no colo, ainda tendo o olhar do baterista para si.

-Eu... e-eu acho que tenho que me desculpar primeiro... - começou, procurando as palavras certas. O ar parecia não querer entrar nos pulmões, seu corpo começou a tremer. Josh, notando o comportamento dele, foi de encontro a sua mão e a apertou levemente, fazendo Tyler suspirar. - Me desculpar por ter corrido de você quando éramos mais novos. Eu acho que me assustei... Ninguém nunca tinha falado comigo tão... - ele travou. Não sabia como descrever, ele lembrou daquele garotinho de cabelo preto sorrindo para ele, então levantou os olhos e viu o mesmo garoto sorrindo. Realmente, não existiam palavras para descrever como Josh o tratava. A vontade de Tyler era pegar o outro pelos ombros, o chacoalhar e perguntar porquê. Ele era só... Tyler. Não merecia toda a atenção, todo carinho e preocupação.

Então sentiu o sangue latejar no braço.

Mas a sensação passou quando Josh apertou sua mão mais uma vez.

-Você tá indo muito bem. - ele o encorajou sorrindo. Limpando a garganta, Tyler continuou.

-Eu tinha 8 anos. Minha mãe contou que o que eu mais gostava de fazer era desenhar. Animais, principalmente. No dia do meu aniversário eu ganhei o melhor presente de todos: um coelho. Era lindo, tinha pelagem branca e olhos vermelhos. Eu acho que nunca fiquei tão feliz, eu sentia como se ele fosse meu amigo. Adorava ir para o quintal e soltá-lo para correr. Ele adorava correr. - o garoto sorriu com a vaga lembrança. Josh o olhava atentamente perdido em seus pensamentos. Então Tyler parou de sorrir e seus olhos perderam o brilho anterior. - Um dia, cheguei da escola e procurei por ele. Minha mãe fingia que não escutava minhas perguntas, meu pai dizia que ele iria aparecer, mas eu notei que tinha algo de errado.

"O garotinho magro de cabelos escuros abriu a porta da frente de casa, lágrimas rolavam seus olhos e em sua mão ele segurava uma cenoura. Olhando ao redor, ele viu um homem careca, bem mais velho que seus pais, passear com seu enorme pitbull.

Tyler imediatamente foi de encontro ao senhor pronto para perguntar ao seu vizinho se ele tinha visto seu bichinho, mas o cachorro avançou com um forte latido, fazendo o garoto gritar e cair no chão, não sendo mordido pelo animal por causa da coleira que o dono segurava.

-Qual é o seu problema, garoto? - o velho falou olhando o menino caído na calçada, estranhando a cenoura no chão.

-D-desculpe, eu não sabia que ele era mau. - o menino respondeu inocentemente se levantando e notando a sensação de ardor no cotovelo. Olhando o careca novamente, ele perguntou. - O senhor viu um coelho branco por aqui?

-Um coelho branco? - o homem riu. Não um riso, mas uma gargalhada que Tyler só havia escutado nos filmes com vilões e isso fez o garoto arregalar os olhos com medo. - Se aquele era seu coelho, sinto muito, garoto. Aquele rato passou pela cerca do quintal e destruiu minha plantação de alface. Quando vi, o Bruce aqui já tinha dado um jeito nele. - o homem acariciou a cabeça do cachorro que rosnava para o garoto. - Tome mais cuidado com suas coisas, moleque. - Sem falar mais uma palavra, o velho continuou andando.

Tyler não chorava mais. Seu olhar estava fixo nas costas do careca que nem ao menos ligava para o garoto ali, sem reação. Suas mãos tremiam e sua boca aberta não pronunciou uma palavra. Dando meia volta, ele correu para casa pronto para se trancar no seu quarto, esquecendo a cenoura que ficara ali."

Tyler também não estava chorando depois de acabar a história. Ele encarava o espaço entre eles na cama e sentia a mão de Josh sobre a sua, mas ele não prestava atenção naquilo e, na sua cabeça, apenas uma voz baixa e firme falava coisas repentinas. Ele sentia os batimentos no pulso e imediatamente fechou os olhos.

-O velho da minha rua foi preso meses depois por apoiar rinhas de cães clandestinas. E-eu... eu entrava em brigas constantes no colégio, por causa de conversas sobre pássaros em gaiolas, ou por causa da temporada de caça. As pessoas começaram a se afastar de mim por causa do meu comportamento enquanto eu me fechava mais e mais no meu mundo. - Tyler estava perdido nas próximas palavras, a voz ainda atormentando seu pensamento, uma dor no peito começou a se formar piorando a sensação estranha do sangue latejando nos braços.

Então algo macio tocou em si assustando-o e ele viu o gato branco, Mark, escalar sua perna e deitar no meio delas, como se fosse uma cama. Josh sorriu e soltou sua mão notando o garoto entretido, enquanto ele mesmo puxava Brad, o gato preto, para o colo, recebendo um miado de afeto.

-O que aconteceu depois? - o garoto de cabelos claros finalmente falou, olhando Tyler que mantinha os olhos na pelagem branca do bicho no seu colo.

-Fui para o psicólogo pela primeira vez quando tinha dez anos, acho que minha mãe não viu outra opção. - ele respirou fundo, a voz gritou na sua cabeça. - Lá, fui diagnosticado com "transtorno de estresse pós-traumático" e, futuramente, depressão. - confessou passando as mãos no gato que ronronava.

Um silêncio se estabeleceu no quarto, Tyler porque não tinha mais o que falar e Josh por não saber como confortá-lo. Então os olhos do moreno se levantaram para encarar a cor mocha e ele finalmente deixou uma lágrima cair, mas uma pequena risada saiu pelos seus lábios.

-Por favor, fala alguma coisa. Acabei de te contar meu maior segredo e você tá aí calado. - Tyler fungou. Josh sorriu e levou uma mão para o rosto afastando a lágrima dali.

-Sabe, eu sabia que você era especial quando te vi no canil. - ele começou. - As palavras que você disse pro Alien eram de alguém que estava... quebrado. Mentalmente. E aquilo doeu em mim, eu sabia que tinha que fazer algo e não pensei duas vezes prometer que cuidaria do Alien. - ouvindo atentamente, Tyler deixou escapar um sorriso fazendo o baterista o imitar. - Eu nunca entendi porque, mas durante três anos eu fiquei inquieto, incomodado, como se algo estivesse incompleto, como se eu não estivesse cumprindo aquela promessa, mesmo cuidando muito bem dele. Mas depois de te reencontrar no parque, de saber essa história, eu sinto que a promessa foi pra voc-... - ele foi interrompido por batidas na porta, fazendo os gatos se assustarem e saírem de seus colos.

Os dois endireitaram as colunas olhando para a porta que se abria e revelava uma garota de cabelos castanhos e ondulados, lindos olhos grandes e lábios carnudos. Tyler apertou as sobrancelhas em dúvida.

-Ah, desculpa, achei que estivesse sozinho, Jojo. - ela falou e Josh se levantou.

-Sem problema. - respondeu indo para o lado da garota e então Tyler arregalou os olhos quando a mesma depositou um beijo nos lábios do baterista. Ele voltou a atenção para o garoto. - Tyler, essa é a Debby, minha namorada. 

Mocha (Joshler) [EM PAUSA]Onde histórias criam vida. Descubra agora