Cinco

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P.O.V Jimin

Durante todo o tempo em que fiquei confinado naquele quarto branco e insípido recebi visitas regulares de um psicólogo, um residente sempre embrulhado no mesmo suéter bege, com uma prancheta nas mãos, excessivamente preocupado. E que sempre começava nossa conversa com a mesma pergunta imbecil, querendo saber como eu vinha lidando com minha "perda profunda" (palavras dele, não minhas), para depois tentar me
convencer a subir para o quarto 618, onde rolavam sessões de aconselhamento pós-traumático.
Nem morto eu participaria de algo assim. Nem morto eu me juntaria a um bando de pessoas angustiadas, esperando minha vez de contar a história do pior dia de minha vida. Em que isso poderia ajudar? Por que eu me sentiria melhor só por confirmar algo que já sabia, que não só fui o unico responsável pelo que aconteceu à minha família, como também fui bastante estúpido, bastante egoísta e bastante preguiçoso para perder tempo, demorar e, assim, adiar minha ida para a eternidade?

Hwasa e eu não falamos muito durante o voo de Busan para Seul. Fingi que estava quieto por causa da tristeza e das dores no corpo, mas, para falar a verdade, precisava apenas de um pouquinho de distanciamento. Sabia do conflito de emoções que rolava na cabeça da minha tia. Por um lado, ela queria desesperadamente tomar a atitude certa, por outro, não conseguia parar de perguntar a si mesma: Por que eu? Quase nunca me pergunto isso. Em geral, penso: Por que eles, e não eu?
Mas também não queria correr o risco de magoar Hwasa. Depois de tudo o que ela havia feito por mim, assumindo minha tutela e providenciando uma casa legal para me receber, eu não poderia deixar que ela nem sequer suspeitasse de que todo o trabalho e todas as boas intenções haviam sido em vão, e que não faria a menor diferença caso ela tivesse me abandonado num orfanato pulguento qualquer. O trajeto do aeroporto até a nova casa se resumiu a uma imagem embaralhada de sol, predios e pontes. E quando Hwasa me levou para o quarto no andar de cima, passei os olhos rapidamente pelo cômodo e balbuciei alguma frase equivalente a um muito obrigada.

- Sinto muito por ter de deixar você aqui sozinho - ela disse, obviamente ansiosa para voltar ao espaço organizado e seguro do trabalho, onde nada lembrava o mundo fragmentado de um adolescente traumatizado.
E tão logo ela saiu, eu me joguei na cama, afundei o rosto entre as mãos e desandei a chorar.Até que alguém disse algo

-Ah, tenha dó, olhe pra você! Por acaso já deu uma boa olhada neste lugar? Viu a TV de tela plana, a lareira, a banheira que faz bolhas? Alô-ou?

-Achei que você não pudesse falar - retruquei assim que virei o rosto e deparei com Yeri, que, aliás, usava um moletom rosa da Gucci, um par de tênis dourados da Nike e uma peruca lilás, dessas que a gente vê em bonecas chinesas de porcelana.

- Claro que posso falar, não seja ridiculo -ela disse, e revirou os olhos.

- Mas das outras vezes...

-Eu só estava zoando você, algum problema? -Ela passeava pelo quarto enquanto falava, passando a mão sobre minha escrivaninha, dedilhando o iPod e o laptop novinhos em folha que Hwasa havia deixado ali. - Mal posso acreditar que você agora tem tudo isso. Não é justo, caramba! - ela exclamou as mãos plantadas na cintura, as sobrancelhas
franzidas. - Pior, você não está nem aí! Quer dizer, você já viu essa varanda? Pelo menos pensou em dar uma olhada nessa vista?

- Não quero saber de vista alguma - eu disse, cruzando os braços diante do peito fulminando minha irmã com o olhar. - Está difícil engolir essa de que você aprontou
comigo, fingindo que não podia falar. Yeri simplesmente riu e disse:

-Deixa de drama, vai. Ela atravessou o quarto, abriu as cortinas e tentou destrancar a porta de vidro que dava para a varanda.

-E onde é que você descolou essas roupas? - perguntei, examinando-a da cabeça aos pés, ressuscitando nossa velha rotina de briguinhas bobas e mágoas intermináveis. -Porque, primeiro, você aparece com minhas coisas e, agora, está usando essas peças de
marca. Sei que mamãe nunca comprou um moletom da Gucci pra você. Ela riu.

- Por favor, como se eu ainda precisasse da permissão da mamãe, quando posso simplesmente abrir o armário celestial e tirar de lá o que me der na telha. E sem pagar nada! - acrescentou, esboçando um sorriso.

- Sério? - perguntei, meus olhos se arregalando e pensando que aquilo parecia um ótimo negócio.
Mas Yeri não fez mais que balançar a cabeça e apontar para a varanda.

- Ande, venha dar uma olhada em sua nova vista.

Obedeci. Levantei-me da cama, enxuguei os olhos com a manga da blusa e, passando direto por minha irmã, fui rumo à varanda com seu piso de mármore, meus olhos arregalados com o que vi diante de mim.

-Por acaso isso é uma piada? - perguntei. A paisagem à minha frente era uma réplica exata do quadro com moldura dourada que Yeri havia me mostrado no hospital. Mas quando virei ela ja havia partido

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