Nove

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P.O.V. Jimin

A caminho do restaurante, não consigo pensar em outro assunto que não seja Yeri e o recadinho irônico que tão cruelmente ela deixou antes de desaparecer. Quer dizer, durante todo esse tempo venho suplicando a ela que me dê alguma informação sobre nossos pais, só me falta ajoelhar a seus pés para obter qualquer notícia, uma migalha que seja, sobre eles. No entanto, em vez de me colocar a par das novidades, de contar o que tanto quero saber, ela fica toda nervosinha e enigmática, recusando-se a explicar por que eles ainda não apareceram para mim.
Era de esperar que a morte deixasse as pessoas um pouquinho mais gentis e generosas. Que nada! Yeri ainda é a mesma pentelha mimada e cruel que sempre foi quando viva. Hwasa deixa o carro com os manobristas e entramos no hotel. Assim que vejo o enorme lobby de mármore, os gigantescos arranjos de flor e a extraordinária vista, arrependo-me de tudo o que acabei de pensar. Yeri tinha razão. O lugar é realmente chique. Chique, não, chiquérrimo. Perfeito para um jantarzinho romântico com o namorado - e não com o sobrinho traumatizado.
À porta do restaurante, a recepcionista nos conduz a nosso lugar: uma mesa linda, com toalha de linho branco, velas cintilantes e utensílios com sal e com pimenta que lembram duas joias de prata. Já sentado, corro os olhos pelo salão, mal acreditando que possa existir um lugar tão requintado assim, sobretudo se comparado aos restaurantes a
que estou acostumado. Mas logo caio na real. De que adianta ficar comparando minha vida nova a antiga, mentalmente examinando fotos do "antes" e do "depois"? De que adianta ficar revendo os filminhos arquivados em minha memória sobre como tudo costumava ser? Por outro lado, com a proximidade da Hwasa, gêmea do papai, não é lá muito fácil evitar as comparações.

Ela pede um copo de vinho tinto para si e um refrigerante para mim, depois damos uma olhada rápida no cardápio. Assim que a garçonete se afasta, Hwasa prende os cabelos louros e curtos atrás das orelhas, abre um sorriso cordial e diz:

-Então, como vão as coisas? Escola, amigos... Tudo em paz?

Não me levem a mal, adoro minha tia e tenho a maior gratidão por tudo o que ela fez por mim. Mas só porque tira de letra um júri de doze marmanjos não significa que seja boa de conversa fiada. Apesar disso, olho para ela e digo

-Tudo em paz. - Ok, conversa fiada também não é lá meu forte.

Em seguida, Hwasa pousa uma das mãos em meu braço para dizer algo mais, porém ela nem sequer havia ainda encontrado as palavras certas quando me vejo de pé e arrastando a cadeira para trás.

- Volto já - falo baixinho e quase atropelo a cadeira ao voltar pelo mesmo caminho de antes, sem me dar o trabalho de perguntar à garçonete, quase atropelada também, onde fica o banheiro. Ela olha automaticamente para mim, convencida de que não vou chegar a tempo ao fim do longo corredor. Seguindo na direção que ela involuntariamente indicou, passo por uma galeria de espelhos gigantes, com molduras folheadas a ouro e pendurados lado a lado numa parede.
Como é sexta-feira, o hotel fervilha com os convidados de um casamento que, a julgar pelo que vejo, não tem a menor chance de dar certo.
Um grupo de pessoas passa por mim, as auras espiralando com uma energia tão intensificada pelo álcool que chega a me afetar também, deixando-me enjoado, tontinho da silva, tão desorientado que vejo à minha frente uma longa fileira de Jungkooks com o rosto virado para trás. Aos trancos e barrancos, entro no banheiro, apoio as mãos na bancada de mármore e tento recuperar o fôlego. Concentrando o olhar nos vasos de orquídeas, nos frascos de perfume e na pilha de toalhas felpudas sobre a bandeja de porcelana, aos poucos vou me sentindo mais calmo, mais lúcido e mais centrado. Já habituado a toda essa energia que aleatoriamente encontro aonde vou, acho que não lembrava mais os efeitos devastadores que ela é capaz de produzir quando minhas defesas não estão ativadas, quando o iPod não está comigo. Mas quando a Hwasa pousou a mão em mim, fiquei tão assustado com a solidão e a tristeza contidas naquele toque que tive a sensação de ter levado um soco no estômago.
Sobretudo ao lembrar que a culpa de tudo isso é minha. Acho que sempre ignorei a solidão da minha tia. Moramos na mesma casa, mas raramente nos vemos. Hwasa passa boa parte do tempo no trabalho, e eu, na escola. Nas noites e nos fins de semana, se não estou trancado no quarto, estou na rua com meus amigos. Acho que algumas vezes esqueço que não sou a única pessoa abandonada no mundo, embora tenha me recebido e tentado ajudar, a Hwasa ainda se sente tão sozinha e vazia quanto no dia em que tudo aconteceu. Por outro lado, por mais que eu queira me aproximar dela ou consolá-la de alguma forma, simplesmente não consigo. Sou uma pessoa machucada demais, esquisita demais. Um E.T. que ouve pensamentos e conversa com mortos. Não posso correr o risco de dar bandeira ao me aproximar demais das pessoas, nem mesmo da minha tia. O melhor que tenho a fazer é terminar logo o ensino médio, ir embora para uma universidade qualquer e deixar que Hwasa volte à vida normal dela. Talvez então ela possa se aproximar do tal cara que trabalha em seu prédio e que ela ainda nem conhece - o dono do rosto que vi quando a mão dela tocou meu braço.

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