Óleo sobre tela, godê com a paleta completa. Do vermelho ao violeta, desde o infra até o ultra. A paisagem era favorável para uma pintura, não iria hesitar transcrever através da tinta meus sentimentos, ainda mais ao lado de minha amada.
Peguei o pincel mais fino, analisei o ambiente, e fiz o contorno do monte na folha de papel. Ela estava monitorando tudo de longe, com toda cautela possível como nunca havia acontecido.
Todas as minhas tentativas foram frustradas, as flores não se alinhavam ao sol e o verde não chegava no tom certo. Mesmo com a linda paisagem, não era uma manhã inspiradora.
Depois de uma longa noite caminhando por dentro á natureza, era difícil ser criativo. Amanhecera frio, porém o sol aparecia. Estávamos em um pastado com algumas árvores ao redor, era uma planície em meio á alguns montes. Descansávamos, aproveitando a paisagem, as vezes quase me esquecia que minha amada era minha prisioneira, talvez a prisioneira mais linda que existisse.
Eu estava frustrado e ela percebeu minhas ações de ódio. Vi ela se levantando de onde havia se acomodado e vindo em minha direção. Ela pegou uma folha, tirou o pincel da minha mão serenamente e posicionou o godê em seu dedão esquerdo. Eu me afastei e a vi pintando, como se aquilo fosse a coisa mais natural do mundo.
Suas mãos no pincel e o pincel na folha soavam como um Stradivarius em perfeito estado. A sinuosidade que ela passava era incrível. Era como se deliciar em um divano, eu admirava com gosto. Esqueci dela por horas até ver o desenho pronto, ela se levantou e deu pra mim. Eu hesitei ao pegar quando vi o resultado final.
Crianças brincando de roda, como nas cantigas antigas. Quando eu finalmente peguei o desenho, ela sorriu. Mas não feliz, e sim como estivesse me matando. Eu entendi o porquê. As cantigas de roda significavam uma seita ocultista, como se todo o mal que eu fiz pra ela voltasse imediatamente para mim naquele sorriso.
Ela arrancou o desenho da minha mão e rasgou, jogando em baixo de uma macieira que ali estava solitária. Até que ela abriu a boca mais uma vez...
-Vamos, você ainda precisa me levar para um lugar.
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Primaveras
ContoA que ponto você pode chegar por determinada pessoa? A sua mente o trai e te traz consequências inimagináveis. A história de um psicopata tão normal quanto você, tão humano quanto você, amante de um belo por do sol. Mergulhe na psicanálise profund...