-Luanda, aos 16 de Junho de 2016.
-Bom dia, caro amigo (diário), começo essa conversa te informando que o teu chifrudo se apaixonou, acredito que ainda lembras da rapariga que conheci no último natal numa ida ao supermercado, cujos encantos me levaram a colocá-la no topo das prioridades numa carta escrita para o pai natal, pois é, ela é hoje minha namorada, e pode ser um pouco tarde para acreditar, mas talvez o pai natal nem seja uma mera invenção da Coca-Cola como eu mesmo tantas vezes disse nos meus discursos cépticos.
-Imagino que tal notícia não te vá cair muito bem, primeiro porque é muito fácil deduzires que o meu sumiço nos últimos meses se deva à esse 'fenómeno', ou seja, que só te tenho como amigo nos maus momentos, mas sinceramente, não irei contrariar tal dedução porque a verdade é que cada amigo tem a sua própria forma de existir nas nossas vidas, e cá entre nós, só olhando para o teu nome (diário de um chifrudo) já me fica difícil imaginar-te como o amigo com quem falo sobre a rapariga que sonho beijar tendo o miradouro da lua como testemunha, o sorriso inocente de um bebé, ou o desabrochar duma rosa, tu, és o amigo com quem falo sem repulsas sobre o facto de ter conhecido uma rapariga enquanto frequentava o primeiro ano da minha licenciatura, por quem me apaixonei, consequentemente escrevi os poemas mais enjoativos que alguém possa imaginar, levei rosas vermelhas à universidade, coloquei o meu 'pouco' apetite sexual em espera, e no final do dia, surpresa, emagreci sete kilos, entrei em depressão e passei os três anos seguintes definindo em silêncio as mulheres com uma palavra que sem a educação dada pela mamã certamente diria aqui, porque a tipa resolveu fazer de mim o palhaço mais engraçado da universidade traindo-me com o meu grande amigo na altura, resumindo, acredito que te devias sentir honrado por receber de mim esse 'eu' tão meu porque para o resto do mundo, a minha história começa no sujeito durão e termina no insensível, sem predicados que contrariem. Bom, ultrapassada a discussão do relacionamento, espero agora que me ouças (como se tivesses outra opção) pois existem coisas que preciso partilhar contigo.
-Sei que nunca falei acerca, mas eu tenho um amigo, Ricardo Vieira, ele é mais ou menos como tu, tendo como diferença apenas o facto de que enquanto tu és defensor do "Palavras valem prata porque o silêncio vale ouro", ele é mais defensor do descaramento mesmo que fira sentimentos, e é exactamente sobre isso que pretendo falar.
-Hoje eu tirei o dia para comunicar à multidão de amigos que tenho (Felipe, Lisandro, tu e Ricardo) que estou apaixonado, e como é comum, as respostas foram variando de acordo ao maluco, dum ouvi que já era sem tempo, doutro ouvi que não existe momento melhor para ser feliz que o agora, de ti ouvi o habitual silêncio, mas o que me intrigou mesmo foi a resposta do Ricardo aquando da notícia:
"Ah, meu amigo, eu prefiro nem comentar essa notícia, porque no final os meus argumentos serão os mesmos de sempre, e tu, para variar dirás que dessa vez será diferente, mas a verdade é que todas o foram, porque as pessoas não são iguais, o problema é que falta coragem para admitir que tu és tu, o problema é que nalguma altura te vais perguntar o mesmo de sempre, digo, vais perguntar se essa tipa não é só mais uma que te quer levar a adicionar páginas sofridas ao teu diário dos chifres, se passada a típica euforia inicial da relação ela não vai simbolizar apenas mais um 'para sempre' que não durou mais que um punhado de meses, se ela não podia ser mais gorda, mais magra, mais, menos, Ying, Yang, ah, e principalmente, se ela não podia adicionar um pouco de Bruna à sua forma de ser só para te fazer feliz"
-Fiquei intrigado com cada uma dessas palavras, mas antes que a curiosidade agrida o teu silêncio e me perguntes, deixe-me que te diga quem é afinal Bruna!
-Começo por adiantar que Bruna é uma mulher que tal como todas outras tem as suas paranóias, defeitos, qualidades, 'sangues' mensais, nada de incomum, porém, se tiver de buscar o porquê de tamanho destaque na minha vida, eu cá só te saberei dizer que:
-Bruna é uma moça que conheci três anos após a minha decepção, inicialmente ela era só isso mesmo, uma moça que cativou a minha atenção pela sua incrível veia artística, por diferente de quem tornou os meus dois anos anteriores numa autêntica travessia no deserto, não ter dito que me amava logo na primeira semana, por diferente do triste e cada vez mais habitual saber falar sobre algo mais do que uma make-up, as tendências da moda, ou pior, sobre quem não tem a oportunidade de ripostar no momento, Bruna falava de ideias, falava de mundos e o fazia tão bem, que era muito comum descobrir o poeta aqui sem palavras durante as nossas conversas, facto que fez com que um tipo como eu, que sempre procurava na altura um 'mas' para não permitir mais aproximação do sexo oposto, ficasse sem outra opção senão admirá-la com o pouco de brilho que restava aos seus olhos.
- Como era de esperar, não levou muito tempo até a admiração descobrir que podia rimar paixão, daí que passamos de amigos virtuais à namorados, aquando da vinda de Bruna à Luanda nas férias de Dezembro, é que Bruna me pareceu tão familiar desde o primeiro dia que hoje não sei se naquela altura existia nesse mundo algum tipo mais orgulhoso de estar a cometer um 'incesto' que eu , tudo fluía de tal modo que a gente falava em inglês, poesia, português, filosofia e se devorava sempre que podia em lugares que o 'politicamente correcto' jamais aconselharia,
humanamente, Bruna era uma espécie de hino à humanidade, tinha os traços finos duma branca, a espiritualidade duma negra, o ardor físico duma Índia e sem roupa, a agilidade duma asiática, é justo dizer que desenvolvi uma relação de intimidade com as nuvens naquela fase da minha vida.
-Hoje olho para o passado e penso que conhecê-la de trás para frente foi das melhores coisas que já me aconteceram, visto que ela era daquelas pessoas com quem falamos '25' horas no dia, trocamos milhentas impressões, aprendemos incontáveis coisas e só então lembramos do velho e ordinário "Olá, você está bem", Bruna é daquelas mulheres que quem perde sabe logo que corre o risco de passar o resto dos seus dias numa casa com cinquenta gatos, ou com uma dessas tantas moças que colocam cebolas picadas no arroz-doce, Bruna era quem percebia o meu adorado sarcasmo, filosofava comigo nos dias em que o invisível estivesse mais evidente em mim, era quem eu queria dar a mão num shopping, numa igreja, ou até no inferno, porque eu acreditava, eu sabia, eu sentia que tudo era mais divertido e apaixonante se associado ao seu nome.
-Sou apaixonado por música e sempre achei um erro crasso associar músicas eternas à seres passageiros em mim, mas Bruna convenceu-me de que tal visão não era nenhum axioma, pois tudo vale à pena se for feito com e por amor, razão pela qual continuo ouvindo infinito de Djavan (Adorávamos) mesmo sabendo que a nossa história teve um fim, mas eu até me auto-percebo, porque com aquele olhar petrificante, a moça seria capaz de convencer até o diabo a comprar um conjunto de boas acções ou Deus a construir uma nova terra para o bando de mal-agradecidos que somos, nunca disse que à amava, um pouco por achar que já o fazia com as minhas atitudes, e muito, muito mais por medo de admitir ao meu 'eu' que era amor novamente, Bruna era o 'terror', meu amigo!
-Mas apesar de tanta coisa boa, tinha de existir um 'infelizmente', e infelizmente quase tudo o que aqui escrevo vem no pretérito imperfeito, porque hoje, infelizmente, tenho de aceitar que o assunto favorito do meu coração precisa reduzir-se à memória favorita do meu cérebro, porque eu infelizmente, mais uma vez, fui forçado a entender que não só de sentimentos vive uma relação, tanto que de nada me valia continuar com aquela que vejo como o meu primeiro amor em ressacas da minha grande decepção, se para tal tivesse de hipotecar o meu coração à hipocrisia, e só para gastar mais um infelizmente, amigo, eu admito que ainda sou visitado por uma saudade que tem o perfume dela em muitos ou poucos momentos, de acordo ao dia, ainda experimento a felicidade que senti na altura ao olhar para o quadro que ela pintou para mim e que ainda hoje 'escondo' orgulhosamente na parede do meu quarto, e principalmente, que sinto-me à beira duma overdose sentimental enquanto te escrevo sobre ela, mas nem sempre o agora é que interessa, porque INFELIZMENTE, não obstante do que sinta nesse momento, já sei que acordarei amanhã de manhã sabendo que, como é comum nos contos de fada dos adultos, o nosso especial foi agredido na esquina da tristeza por um tal de jugo desigual, uma vez que aquando da minha infância alguém esqueceu de ensinar-me que no mundo dos adultos os homens choram, e mais, que nele tudo é tão relativo que o 'para sempre' que na cadeia é perpétuo, no amor bem pode ser só a emoção dum momento!
-E falando em jugo desigual, a verdade é hoje já quase não vou à igreja, porém, cresci num lar cristão, e sendo assim acredito em Deus com cada fibra do meu ser, digo, Deus é luz, é vida, é alfa, é omega, é tudo, mas também é quem nos concedeu o livre arbítrio, portanto, respondendo ao meu caríssimo amigo, Ricardo Vieira, admito que o futuro não cabe no meu bolso e que sendo assim, jamais terei a plena certeza se vencerei ou perderei a minha nova aposta no amor, mas duma coisa estou certo, independentemente das coisas boas ou más que Deus permita que cruzem o nosso caminho, sempre caberá só a nós a escolha da felicidade, portanto, hoje eu digo que cansei de lamber as feridas e vou inclinar-me na busca da minha felicidade, com ou sem a porra duma 'costela'!
-Abraços chifrudos.
"Nem Deus tem o dom de escolher quem vai ser feliz"