Pra onde vai o amor?

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Há algum tempo eu comecei a escrever esse livro, e hoje olhando para as páginas que escorreram da minha sensibilidade para si, me dou conta de que a sua maioria esmagadora passou de alguma forma pelo amor; houve alturas em que tentei falar do amor nas letras dum escritor amorosamente traumatizado, outras em que tentei defini-lo com a lógica dum chifrudo se julgando mais conhecedor da matéria sobre o gume da faca que o dilacerou do que a maioria dos mortais, alturas em que tentei compreender o amor quando mesclado á ideia duma vida inteira, tal como houve alturas em que falei do sentimento na sua vertente mais platónica e incestuosa, e não me arrependo de modo algum por tê-lo feito, mas só acho que partindo do princípio que comecei tal aventura às custas do facto do amor de alguém por mim ter terminado, seria estranho e até pouco justo para a lógica lírica em mim não tentar perceber aqui algo como:
"Para onde vai afinal o amor quando acaba"?
-Será que vai para duas horas debaixo do chuveiro de modo a egocentricamente disfarçar lágrimas em água, será que vai á discotecas esperando que a proximidade com amantes da euforia lhe coloque de alguma forma mais próximo do antónimo da tristeza que sente no momento, será que procura a roda de amigos mais próxima para explicar que o fim não se deveu de modo algum ao seu enorme pénis e que a moça foi na sua vida só mais uma aspirante á efectiva na profissão mais antiga desse mundo, será que ele cria playlists de músicas depressivas, relê mensagens bonitas e sorri com toda ironia que restar no seu mundo até adormecer abraçado ao "Se eu soubesse", será que compra lâminas numa loja de conveniência qualquer e corta os pulsos só para dar cor aos tons dramáticos com que a maioria o pinta, será que passa a madrugada sentado á beira-mar escrevendo cartas de revolta às escolhas da sua sensibilidade, será que bonito como dizem que é, saca dessa mesma beleza para seduzir e consequentemente sangrar suas recentes frustrações para cima de quem só o quer em sentimento e em verdade, será que tal qual um verdadeiro cigano visita inúmeros lugares, femininamente falando, colocando de parte a ideia de pertencer á qualquer deles, será que vai á rua do inevitável procurar por culpados para as feridas no seu coração, será que se isola e só sai para visitar a sabedoria, mesmo sabendo que nas palavras dessa, só a morte pode amputar nossa vontade de desenhar um recomeço após cada final infeliz, será que vai ao beco do orgulho debater consigo mesmo durante horas, sobre por que razões ligar ou não para quem mais queremos ouvir no momento, será que vai á enterros de gente desconhecida emprestar lágrimas de real dor á famílias que hoje por hoje já só têm mais disponibilidade bufês e trajes bonitos do que para quem partiu contra a vontade da sua suposta saudade, será que vai á festas de criança na esperança de recuperar alguma da ingénua pureza que a vida adulta lhe retirou, será que vai atrás do que entende por felicidade ou justifica a sua impotência para lutar pelo que jurou tanto querer dizendo que deixar partir dos braços quem não nos quer deixar no seu coração também faz parte das formas genuínas de amar, será que vai aos melhores karaokes da centralidade do Kilamba de formas a provar que notas melodicamente pobres são desculpáveis se vindas do e com o sentimento mais rico de todos, será que ele vai procurar por gente que optou por divorciar-se poucos dias depois de gastar balúrdios numa festa de bodas de ouro para tentar entender o que fazer afinal na manhã seguinte ao adeus, será que vai para casa e se perde numa maratona de novelas mexicanas de modo á se sentir exageradamente honrado por alguém nesse mundo, será que ele vai para o estúdio dum cantor aleatório para ofertar a sua sempre especial participação á próxima canção que liderar o ano na lista das mais tocadas em rádios e declarações nem sempre sinceras dele mesmo, para onde vai afinal o amor no dia de amanhã, eu não sei, pouco percebo de futurologias, mas sei que ontem foi á cama do meu melhor amigo, e hoje, foi á mais uma das minhas tentativas de não ter de dizer adeus ao Nosso primeiro livro.
"Lucro também já houve em nascer num mundo que não me ouve"

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⏰ Última atualização: Oct 13, 2020 ⏰

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