Luanda, aos 26 de Novembro de 2015
-Três horas e quinze minutos da manhã, já assisti umas quantas séries, ouvi as minhas músicas favoritas, falei horas ao telefone com gente interessante, e até sorri apaixonado para a loucura enquanto monologava com os meus 'botões', mas o sono simplesmente não vem, noutros dias teria dito que é só mais uma noite de insónia, nada de extraordinário, porém, num rápido passeio pelo meu subconsciente, acabei notando que tudo que ele indiretamente me pedia era que não me permitisse dormir sem alguma poesia, mas o que posso eu fazer se a madrugada não cumpre com o seu papel de me inspirar, a sensibilidade não se evidencia em mim, e os pensamentos...Bom, acabaram por se dispersar um pouco porque recebi uma mensagem!
-"Anália Terramoto", o meu primeiro amor mandou uma mensagem, diz o telefone.
-O que terá ela para me dizer nessa altura do dia, será que passa-se algo de mau, será que ela precisa da minha ajuda, será que ela sentiu saudades, depois dessa frase afastei rapidamente as perguntas de mim e pensei que melhor mesmo era pôr-me adulto que talvez a situação o pedisse, então abri a mensagem...
"Quem sou eu...
Sentimento homicida...
Batimento tresloucado...
Entre esquinas da vida...
Certo e errado...
Quem sou eu...
Questão que me questiona...
Prazer, chamam-me dono...
Da língua que te aprisiona...
Pecado sem retorno...
Quem sou eu...
Entre madrugadas, poesia...
Entre escuros, pura tesão...
No hoje da nostalgia...
Teu e meu coração...
Quem sou eu...
Em beijos de mares e sóis...
No arrepio do teu gemer...
Ahh, quem sou eu...
Sem nós...
Importa saber?!
Quem sou eu....
Suando sobre tua pele...
Delirando em teus ouvidos...
Ele dela, ela dele...
QUE SONHO LINDO"
-Ela mandou um poema que escrevi há quatro anos, mais precisamente na época em que namorávamos, fiquei sem perceber a razão de o ter feito e antes mesmo que perguntasse, outra mensagem...
"Lembras-te desse moço, sei que não, mas eu lembro, e sinto imensa falta dele"
-Oh, que bom, fico feliz que ainda te lembres de mim, vamos marcar algo então, faz realmente muito tempo que não nos vemos, respondi.
-Não fiques feliz, Rui Jorge, pois não disse que sentia a tua falta, disse que senti a falta do moço que escrevia diariamente poemas como esse, aliás, eu duvido muito que hoje por hoje alguém sinta falta desse pedaço ambulante de frieza, insensibilidade e calculismo que sente-se tão 'ele' na pele de poeta chifrudo que já nem sabe o que é o amor, tanto escrito, como sentido na direção dos outros, rebateu a baixinha.
"Essa deve ter doído", ironizei e logo de seguida lembrei duma frase de Voltaire:
"Posso discordar de todas palavras que disseres, mas defenderei até à morte o direito que tens de às dizer"
-Acredito piamente nessa frase e sempre procuro adequar minhas atitudes à mesma, mas será que a moça já parou para pensar que se como dizia o outro, num oceano humano cada gota tem por norma deixar o seu próprio sal, então à cada um de nós recai naturalmente um jeito, personalidade e opinião, opinião essa tão individual que acaba dando à cada um de nós o seu próprio conceito de amor?!
-Mas enfim, o que está dito está dito, interessa agora que a moça saiba o que é ou não é para um chifrudo o amor.
-Amor não é quando fazemos na posição do 'missionário', com beijos intermináveis, penetrações lentas, dizendo vezes sem conta o nome da pessoa e palavras nas quais deixamos de acreditar após o orgasmo, essa é só a definição que adultos com tabus usam para ridiculamente tentarem suavizar o facto de serem tão humanos ao ponto de sentirem desejos carnais uns pelos outros, amor não é quando perdoamos o imperdoável e aceitamos todos absurdos de alguém, isso ainda que não apareça num dicionário, é a definição mais básica dos trunfos que um terá para usar contra o outro sempre que se sentir encurralado em discussões futuras e da desconfiança que se apossará do ninho dos pombinhos desleais, amor não é um curso avançado de masoquismo onde um maltrata, magoa, ignora, o outro chora, mas nunca se vai embora, ou uma prova de absurda resistência em que somos obrigados a dar vezes sem conta murros em ponta de canivete esperando que desse gesto de tortura surja o tal "felizes para sempre" de que tanto falam os 'sensíveis', amor não é quando um homem oferta rosas só porque sim, numa data não tão especial assim, honestamente falando, essa é só uma tática que qualquer bom 'Casanova' sabe que deve usar para encurtar distâncias entre a sua ereção e a lingerie duma dessas nossas tantas manas apreciadoras de clichês e 'Barbie moments' em versão adulta, amor não é adormecer de 'conchinha' e ter de sorrir ao acordar enquanto suportamos o dono hálito mais 'fresco' de sempre nos dar bom dia com uma satisfação que se calhar nem nos deu motivos para partilhar, amor não é quando alguém atira uma maçã vermelha na minha direção, talvez o fosse na Grécia antiga, mas por agora, seria só mesmo um favor prestado ao meu bom apetite, amor não é quando nos dispomos a dar sem esperar receber, chorar litros de sofrimento por quem não nos deu de si um único pingo verdadeiro, se isso for amor, os românticos incuráveis que ao menos lhe adicionem então, antes a 'falta' e logo depois o 'próprio', que desta feita ele passará a chamar-se 'Falta de amor-próprio', o seu nome mais justo, amor não é tornar-se espião em part-time da vida de alguém só para mantê-lo na nossa, o amor não é politicamente correto, não é colocar no dedo de alguém um pedaço nada eterno de metal demasiado caro para o meu bolso universitário e sonhador, que na manhã de sábado nem sequer conta o que andei a fazer na madrugada de sexta enquanto supostamente me divertia com os rapazes, o amor , o amor não é...
-Sabe, talvez eu não perceba mesmo nada sobre isso(amor), até porque no final a sua essência reside exatamente no facto de se sentir mais do que perceber, mas ainda assim acredito com cada fibra do meu ser que amor é falar com os olhos, ouvir com o coração e tocar com a alma, amor é verdade, é compreensão, é entender que se ambos têm o seu próprio tempo e inerentes vontades, então um não vai automaticamente amar menos por nem sempre partilhar das saudades do outro, amor é um sentimento tão nobre que até me ensinou que antes só e 'abandonado' segundo as opiniões do mundo, do que numa relação com alguém que já me ame com todos quês do seu coração quando ainda só lhe sei 'amar' com os olhos, amor é a arte feita mais por sentimento do que por reconhecimento, não aquilo que hoje por hoje uns e tantos publicam só porque os pais precisam ter na biblioteca de casa um motivo para vangloriar-se no domingo à tarde enquanto almoçam com os amigos, que pelos vistos tiveram o 'azar' de colocar no mundo meros mortais, o amor é o sentimento mais falado mas ainda assim mais incompreendido de sempre, amor é a piada que nunca perde a graça, amor é quando a gravidade deixa de ser a única força a nos prender á terra, amor é aquela coisa que ridiculariza génios, toca os intocáveis, compõe as melhores canções das nossas vidas, e sem querer defender o 'carrasco' de muitos(inclusive meu), é no final do dia só um sentimento às vezes rico, noutras vezes pobre, que não tem culpa nenhuma que tenhamos escolhido ser excelentes de tempo em tempo para pessoas que são medíocres à tempo inteiro.
-O amor é o caco que corta mas também acaricia, é o abstrato e o concreto do imprevisível, aquele sentimento que chega quando quer, vai quando lhe convém, numas vezes faz mal, noutras vezes bem, mas que às tantas nem o amargo que te fala consegue viver sem.
-Bom, creio que ficou de certa forma claro aquilo que penso sobre o amor, portanto, me chame de frio, intragável, calculista, insensível e tantos adjetivos carinhosos que te ocorrerem, mas só não me chame para amar mais um desses amores que mal me amam, moça.
"Uma coisa gera outra, e o tempo gera todas"-Maquiavel
-Abraços do chifrudo.