Capítulo 4

1.9K 180 8
                                    



A sala de jantar estava toda enfeitada com cristais, porcelana Limoges, toalhas de linho e seda e prataria reluzente. Caroline espantou-se com tanta pompa para um simples almoço, mas logo se repreendeu. Precisava parar de agir como uma criança abobalhada toda vez que a riqueza o conde se evidenciava. Torceu para seu espanto não ficar óbvio e tentou relaxar quando Arthur empurrou-lhe a cadeira e colocou o guardanapo em seu colo.
— Está um pouco frio — disse o conde.
Sua voz barítono chegou até a outra ponta da mesa. Ele a observava como se estivesse analisando um espécime intrigante.
— E mesmo — concordou Caroline.
A sopa foi servida com fatias de pão quente e manteiga. Ela ficou com água na boca. Já era uma refeição completa, bem mais do que estava acostumada a comer desde a morte de seu pai.
— Não é época para estar tão frio — continuou Magnus.
— O inverno não está muito  longe — respondeu ela pegando a colher.
Quando o mordomo os deixou a sós, Caroline escutou uma risada.
-Já tendo discutido o assunto do clima e estando sozinhos, acho que podemos conversar sobre assuntos mais interessantes.
— Sim, milorde?
Ele ficou quieto. Caroline só compreendeu depois de um tempo.
— Sinto muito, Magnus, mas preciso me acostumar a chamá-lo assim.
— Bem melhor. É muito bom escutá-la falando meu nome. Sua voz é rouca, como se estivesse com a garganta inflamada.
— Estou em perfeitas condições de saúde — garantiu ela.
— Eu sei, Caroline. Qualquer um pode perceber.
Envergonhada com o deboche do conde, ela baixou os olhos e comeu um pouco de sua sopa. Ao olhar para cima, viu-o pegando seu prato e talheres. Magnus trouxe sua louça para a direita de Caroline, voltou mais uma vez para pegar o resto e depois se acomodou.
— Bem mais confortável, não acha? 
— Com certeza — respondeu ela, concentrada na comida. — Você tinha razão sobre a sra. Bronson. A comida está excelente.
— Que bom. Como eu comentei, gostaria de conversar sobre alguns assuntos, principalmente sobre o casamento.
Ela ficou tensa. Será que reconsideraria sua decisão?
— O que você quer falar sobre o casamento?
— Gostaria apenas de acertar alguns detalhes. Será uma reunião pequena, pois não terei tempo de convidar muitas pessoas nem mesmo de preparar uma festa de gala. Entretanto, decidi que será um evento notável, e seu vestido será ... — Ele parou de falar quando os criados apareceram para tirar a louça e servir o segundo prato. A mudança de lugar causou um pouco de euforia, mas o conde simplesmente ignorou-a. Quando a comida estava na mesa e os copos cheios, os dois ficaram sozinhos de novo.
— Como estava dizendo, pedirei que lhe enviem alguns desenhos e algumas amostras de tecido para que possa escolher um traje adequado. Você e sua mãe cuidarão do vestido e dos diversos acessórios. Ah, e também das flores. Eu me preocuparei com a cerimônia e a recepção, que será aqui em casa. Convidaremos sua família, o pastor e algumas pessoas mais próximas. E David, é claro.
— David? Ah, sim, seu irmão.
— Sim — disse ele, olhando para o relógio na parede.
— Nem imagino onde ele esteja. Bem, deixe-me contar-lhe mais histórias sobre meus ancestrais. É um pouco tedioso, mas você precisa aprender. O primeiro conde, meu ... nem sei como nomeá-lo, bem ... passemos logo para meu avô.
Caroline sorriu. Surpreendeu-se ao notar um certo charme em Magnus, e teve de admitir que o considerava envolvente.
A refeição estava deliciosa. Por mais satisfeita que estivesse, ela não poderia recusar o cordeiro. E não se arrependeu. Nunca comera nada parecido, o tempero era perfeito, bem como o ligeiro aroma de hortelã.
O conde continuou a relatar histórias sobre sua família, depois começou a falar sobre seus planos para ela como esposa. Pelo visto pensara em cada detalhe. Caroline prestou atenção em tudo e concordava com acenos de cabeça.
Ainda não conseguia acreditar que o conde a escolhera. E o melhor de tudo era que sua mãe e James poderiam ficar no Barrister Ordinary. A hospedagem ficava tão perto que os visitaria todos os dias!
— Caroline?
De repente, ela se deu conta de que se perdera em devaneios.
— Sim, milorde? Magnus. Sinto muito, acho que me distraí um pouco.
— É muita informação para assimilar de uma só vez, não?
— Não, não é isso... Eu ... Eu estava ...
— Esqueça, Caroline. Não precisa explicar. Eu não consigo lidar com essa minha urgência. Você ficou confusa. Vou pedir a meu secretário que coloque tudo em detalhes no papel.
— Obrigada.
Após a sobremesa, que foi um belo pedaço de bolo de manteiga com chantilly, frutas frescas e o café, Magnus se ofereceu para mostrar-lhe o jardim.
— Não sei se consigo me mexer. Acho que comi demais — disse Caroline, aceitando a ajuda do conde para se levantar.
— Pois então, nada melhor do que um pouco de exercício.
Eles andaram até alcançarem uma porta de vidro. Arthur trouxe a capa de Caroline, e Magnus colocou-a ao redor dos delgados ombros. O toque de seus dedos a arrepiou toda.
— Já está com frio? — perguntou.
Será que nada passava despercebido por ele?
— Um pouco — respondeu Caroline.
— Vamos? — Ele a guiou até uma varanda de lajes.
Uma suave brisa balançava as folhas. Estavam apenas em setembro e, embora fria, o leve beijo do sol emprestava uma demorada lembrança do verão na medida em que passeavam pelo jardim.
Ele mostrou-lhe as várias flores, evidenciando todo o orgulho pelo lugar tranqüilo. De vez em quando parava para pegar alguma flor murcha ou caída. O que mais o entusiasmava eram as rosas que, segundo suas palavras, ficavam adoráveis na primavera. Um leve indício de tristeza na voz dele chamou a atenção de Caroline. Foi então que ela se deu conta de que talvez Magnus não mais as visse florescer.
E de repente o contentamento com sua fantástica sorte sumiu. Olhando de solaio para o conde, sentiu uma grande tristeza. Magnus parecia tão invencível, forte e bonito contra o azul do céu enquanto estudava seu adorado jardim. Nobre e misterioso, naquele dia ele mostrara que também podia ser amável. E perigoso. Não se tratava de um filósofo, mas sim do famoso conde de Rutherlord. Caroline não se lembrava de ter visto uma pessoa tão vulnerável assim.
Então ele se virou, e o momento passou.
— Tudo será seu daqui a algum tempo. Nada mau para alguns meses de trabalho, não?
Caroline foi poupada de dar uma resposta ao comentário indelicado pois foram interrompidos por alguém que gritava.
-Olá!
Havia um jovem magro vindo na direção deles, acenando sem parar. Magnus segurou-a pelo braço e sussurrou-lhe no ouvido:
— É David.
— Então esta é a srta. Wembly de quem escutei falar tão bem — disse ele, aproximando-se.
Caroline o achou muito bonito, alegre e jovial. Comparou-o mentalmente com o irmão mais velho. David era um pouco mais baixo e menos encorpado. Tinha os olhos castanhos, e os cabelos castanho— claros. No todo, parecia um pouco mais magro e mais amigável, de certa forma era uma versão menor de Magnus.
— É um prazer conhecê-lo — murmurou Caroline. David fez uma mesura e, quando se levantou, pegou-lhe a mão.
— Quem imaginaria que o velho Caractatus Green poderia encontrar uma jovem tão exuberante? — Ele se virou para o conde. — Peço desculpas por não ter chegado a tempo de almoçar, Magnus. Acabei saindo mais tarde do que o previsto.
-A sra. Bronson ficou desapontada. Ela preparou comida suficiente para um batalhão.
-Depois comerei alguma coisa. E não poderei passar a noite aqui. -Sorrindo, voltou-se para Cároline. — Não se preocupe, futura cunhada, estarei aqui para o casamento.
Eles começaram a voltar para a casa.
— Eu ia mesmo lhe perguntar sobre o sr. Green — disse o conde. — Por que escolheu uma pessoa tão desagradável para ser meu advogado?
— Você não se deu bem com Caractatus? — perguntou David, fingindo-se horrorizado. — Eu obviamente o escolhi por sua natureza agradável.
Caroline deu uma risadinha. Gostou do jovem, de seu comportamento espirituoso. Entretanto, por alguns instantes, notou que David não estava sendo natural. Estaria tentando impressioná-la ou cair nas graças do irmão? Também poderia ser a simpatia exagerada com a qual as pessoas costumavam tratar os doentes. Sabia disso pois portava-se da mesma maneira com o pequeno James.
Eles entraram na biblioteca, e David jogou-se em uma poltrona de couro.
— Achei que vocês dois talvez tivessem um certo conflito de interesses. Ele é despótico, não? Mas preenche os dois requisitos básicos que você me pediu. Em primeiro lugar, Caractatus não faz parte de nosso círculo social, o que diminui a chance de ter clientes que o conheçam. — Olhando para Caroline, ele explicou: — A discrição é uma qualidade muito importante em um advogado, mas nem sempre uma realidade.
— Qual era o segundo requisito? — perguntou ela.
— Ele aceitou fazer o trabalho.
Magnus dirigiu-se até a grande janela de vidro enquanto David ria sem parar. Caroline ficou observando os dois.
— Os honorários são absurdos! Para um advogado que nem cuida dos casos da alta sociedade, ele tem uma opinião bastante elevada sobre si mesmo.                  
— Ah, Magnus — disse o jovem já recuperado — lady Sarah Gleason enviou-lhe recomendações e estimas melhoras. Ela ficou muito aborrecida quando soube que você estava doente.
O conde resmungou, não demonstrando o menor interesse pela preocupação da mulher.
— Carstairs também perguntou de você. Ele lhe contou sobre seu investimento na estrada? Ficou rico da noite para o dia.
Enquanto David contava as últimas novidades da sociedade londrina, Caroline relaxou. Pela primeira vez desde que chegara a Hawking Park, estava livre do olhar atento de Magnus. Aproveitando sua situação, analisou o futuro marido.
Estava imóvel parado em frente à janela. Ficara pensativo desde o passeio no jardim. Parecia estar tomado por uma grande melancolia. Como devia ser difícil para um homem como ele apoiar-se nos outros. Até o próprio irmão não o compreendia.
De repente, Magnus se virou e a pegou encarando-o. Sua expressão, pela primeira vez, mostrava-se clara e aberta. lndecifrável. Em que estaria pensando?
David ainda falava sobre os colegas de Londres quando o conde o interrompeu.
— A sra. Wembly precisa voltar para o Barrister Ordinary.
— Sim, claro. Quer que eu a acompanhe?
— Não há necessidade. Ela já se acostumou com a carruagem.
— Aposto como ela prefere um acompanhante para conversar.
— E apenas meia hora de viagem — insistiu Magnus.
— Mesmo assim ...
— Cavalheiros! — interveio Caroline. — A srta. Wembly está bem aqui e não é nenhuma incompetente. Portanto, o problema pode ser resolvido se vocês pedirem minha opinião. Sim, estou acostumada com a viagem e não me incomodo em voltar sozinha, mas sua companhia me agradaria muito, sr. Eddington.
— Excelente — disse David, levantando-se no ato. — Assim terei oportunidade para contar todas as histórias que a futura esposa de meu irmão deve saber.
— Era o que eu temia — resmungou ele. — Está bem, David. Peça a Bill para preparar a carruagem .
David fez uma mesura e retirou-se.
— Mandarei a papelada contendo os itens que discutimos ao Barrister Ordinary assim que possível. E também enviarei alguém para que você escolha as flores. Se precisar de algo mais, é só mandar uma mensagem que eu cuidarei de tudo. Terei de ir ao vilarejo no final da semana, e pretendo visitá-Ia.
Ela assentiu, mas ainda estava incomodada com o modo que os dois irmãos haviam discutido a seu respeito.
— Não fique irritada, Cara. Essa expressão não combina com você. — Magnus deu um sorriso que reduziu as linhas severas em seu rosto.
— Vendo esses lábios carnudos contraídos, minha vontade de beijá-la é maior.
Caroline arregalou os olhos. Lábios carnudos? Beijá-la? E como sabia que a chamavam Cara?
— Vá — disse ele, pegando-lhe o queixo entre os dedos. Em seguida, Magnus tocou-lhe o rosto, e não de propósito.
Dali cerca de uma semana estariam deitados na mesma cama. Então ele a beijaria e a tocaria. Como suportaria se o menor dos toques já a arrepiava toda?
— A menos que esteja esperando um beijo? — brincou ele, vendo que Caroline não se mexia.
Ela deu um passo para trás e levou os dedos aos lábios.
-Não.
-Então tenha um bom dia, Caroline.
— Bom dia, Magnus.
— Caroline — chamou o conde, quando ela se aproximou da porta.
— Sim — respondeu sem se virar.
— Escolha um vestido bem imponente e não se preocupe com o custo. Quero que fique linda.
Ela olhou para trás e o viu parado com as mãos na cintura.
— Lembre-se de que daqui a alguns dias você será a condessa de Rutherford.




Rosas à Meia-NoiteOnde histórias criam vida. Descubra agora