Capítulo 3

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Magnus ajeitou a bagunça de papéis em sua mesa antes de responder à batida na porta.
— Entre ... — disse ele, inclinando-se na cadeira de couro para observar melhor a elegante jovem -, srta. Wembly.
— Milorde.
— Por favor, sente-se. — Ele apontou para uma das cadeiras estofadas em frente à mesa.
Naquele dia, ela vestia um modelo mais sóbrio. Magnus agradeceu por o decote não ser tão generoso a ponto de distraí-lo do assunto principal. Um echarpe modesto de tecido engomado enfeitava-lhe o vestido de musselina marrom-claro. Pelo menos não se sentiria tentado pela protuberância de seios, mas sua mente não conseguia afastar a bela imagem do primeiro encontro.
— Obrigado por ter vindo tão depressa — começou o conde. — Terminei minha investigação sobre você e posso informá-la ... — Ele fez uma pausa, ciente de que esta não era a melhor maneira de pedir uma mulher em casamento. — Sobre minha decisão em aceitá-la como esposa.
Caroline ficou em silêncio por um momento.
— O-obrigada, milorde — respondeu um pouco atordoada.
Ela não sorriu. Queria vê-la sorrir. Desde a primeira vez que a havia visto, Magnus ficara imaginando como seria aquele rosto tão delicado ostentando um belo sorriso. Já a vira brava, desconfiada, orgulhosa e indignada, mas nunca um sinal de alegria naquelas surpreendentes feições.
— Não está contente, srta. Wembly?
— Sim, claro que estou, milorde.
— Parece que acabei de lhe pedir para parar de pisar em meu pé.
Um sorriso vacilante, o que era pior do que toda aquela sobriedade, apareceu.
— Peço desculpas. Acho que fiquei um pouco surpresa. Achei que demoraria mais para tomar uma decisão.
— Eu fiz as investigações necessárias com base na documentação que me apresentou. Como está tudo nos conformes, decidi que não havia por que esperar mais.
Caroline continuou quieta.
— Tomei a liberdade de solicitar uma licença especial ao arcebispo de Canterbury, que é um grande amigo. A desobrigação será feita o mais rápido possível, e depois estaremos livres para nos casar. Gostaria que a cerimônia se realizasse logo para podermos dar início a nossa vida de casados.
O coração dele acelerou-se só de pensar nas implicações daquelas palavras. Percebeu que Caroline também se inquietara com as palavras pois havia um leve rosado em sua face.
Ele parecia um jovem encantado por uma bela mulher, seu corpo reagindo tal como um adolescente quando avistava uma moça bonita. Agradecia por estar sentado atrás da mesa.
Mas o rubor da pele de Caroline também tinha outra explicação.
— Há outros assuntos que precisamos discutir. Finanças.
Como um balde de água gelada, as palavras acabaram com o desejo e encantamento que crescia em Magnus.
— Claro — falou ele com rispidez e pegou um documento na pilha de papéis. — Lembra-se do sr. Caractatus Green, meu advogado? Eu lhe pedi que redigisse um contrato para lhe esclarecer tudo. Além disso, vou lhe dar uma cópia de meu testamento para que saiba exatamente o que você e a criança receberão após minha morte.
— E se eu não engravidar?
— Eu já instruí David que, nesse caso, receberá o título de condessa e uma pensão anual bastante generosa.Está tudo explicado no contrato.
Ela esticou a mão delicada e pegou o papel.
— Aqui não está mencionada uma quantia específica — observou, ao ler o papel.
— Não — concordou ele. — Podemos alterar, caso queira. Preferi deixar em aberto. De qualquer forma, não imagino que possa ter despesas que eu não possa pagar. Entretanto, se preferir que a quantia seja estipulada ...
— Sim -interrompeu Caroline. — Quanto tem em mente?
Magnus cruzou as mãos na frente do queixo e a encarou demoradamente.
— Você determina um vàlor.
Ela se surpreendeu, o que o fez sorrir com malícia. Queria vê-Ia insegura, desprevenida.
Sua alegria ao forçá-la a delimitar um valor para a pensão terminou quando a escutou mencionar uma quantia pouco maior do que o salário de seus lacaios. Caroline se manteve imóvel, o que era um sinal de que a situação a desagradava. Magnus não compreendia e ficou intrigado.
— Eu triplico o valor — disse ele, tirando-lhe o documento das mãos. Pegou a pena e anotou a quantia, que ainda era pequena para o que imaginava a princípio.
Quando levantou a cabeça, seu coração quase parou de bater. Caroline o fitava com um misto de alegria e gratidão, e havia um brilho diferente nos olhos azuis, como se as lágrimas estivessem para chegar. Não acreditava que fosse possível vê-Ia mais adorável do que quando se irritava, mas foi obrigado a mudar de idéia. Ela estava linda.
Depois de um longo instante, ela ergueu a mão para pegar o documento, e a magia se quebrou. Magnus soltou a respiração e ocupou-se em empilhar documentos enquanto ela lia o contrato. Em seguida, assinou, e o conde fez o mesmo.
O acordo estava selado.
— Agora — começou ele -, precisamos discutir alguns detalhes. Em primeiro lugar, falemos de sua mãe. Eu preferia que ela não morasse em Hawking Park. Sou um homem muito reservado, e minha doença contribui ainda mais para essa característica.
— Sobre sua doença — interrompeu Caroline -, eu gostaria de saber ...
Um sentimento gentil fez com que Magnus a poupasse da dificuldade de fazer a pergunta.
— Você quer saber sobre minha doença?
— Sim — respondeu ela em um fio de voz.
— Sinto muito, mas não posso informá-Ia, srta. Wembly.
Caroline baixou os olhos.
— Eu não sei ao certo, e os médicos também não. Os sintomas indicam problemas de coração, mas a doença não segue o rumo normal. Os médicos concordaram que é uma moléstia cardíaca atípica. E os ataques estão se tornando cada vez mais freqüentes e mais severos. Com o tempo, meu coração parará de funcionar. Como aconteceu com meu pai. É uma doença hereditária. Que bom que sua família é saudável, e você não precisa se preocupar.
Houve um longo silêncio. Ela simplesmerlte retribuiu a
preocupação de Magnus com um olhar estranho. — Sinto muito — disse Caroline.
Por Deus, havia tristeza em seus olhos!
— Não há nada que possa ser feito em relação a minha doença. Você poderá realizar meu último desejo, portanto, não se compadeça, — Ele foi duro, mas logo se arrependeu. — Sobre meu problema — prosseguiu, incapaz de ser mais amável -, há algo que ainda não discutimos. Espero que não seja um fardo, mas gostaria que estivesse a meu lado durante os ataques.
— Para auxiliá-lo?
— Sim, como enfermeira. Uma companheira mesmo, pois há serventes para fazer o trabalho mais pesado. — Os olhares deles se encontraram, e Magnus soube que ela o compreendia. Não antecipara o desejo de tê-la a seu lado naqueles momentos tão desagradáveis, mas de repente sentiu pânico de morrer sozinho.
— Claro, milorde.
— Obrigado. Você tem mais alguma pergunta?
— Sim. Se minha mãe não poderá residir em Hawking Park, onde viverá? Eu imaginei que ela pudesse morar em um lugar melhor do que aquele em que morava-mos!
O conde analisou a pergunta por um momento.
— Tenho uma casa em Londres, que é espaçosa e cheia de serventes. Também tenho uma pequena casa no distrito de Cumbrian Lake. É uma residência modesta, mas os criados cuidam muito bem dela.
— Eu gostaria que ela ficasse mais perto — pediu, mordendo o lábio por temer estar sendo exigente demais.
— Mais perto? Humm. Não consigo pensar em nada. A não ser que ...
— Sim?
-Se o proprietário concordar, sua mãe poderá ficar na suíte da estalagem, pelo menos até minha morte.
Foi então que Magnus pôde apreciar o sorriso que tanto ansiava ver. Ela apertou as mãos e pareceu ter perdido a fala.
Ficou hipnotizado por aquele belo sorriso, tendo sido pego totalmente de surpresa.' Sabia que Caroline ficaria ainda mais linda sorrindo, mas estava deslumbrante.
— Muito bem — disse ele, recuperando-se do choque. Cuidarei de tudo.
Quando terminaram a conversa, o conde chamou o sr. Green, que obviamente não gostara nem um pouco de ter de ficar aguardando na sala. Lançou um olhar de desdém para Caroline quando viu a quantia anotada. Abriu a boca para fazer um comentário, mas calou-se ao ser repreendido pelo olhar de Magnus.
— Fique sossegado, milorde — disse ele, atrevendo-se a olhar mais uma vez para a futura condessa antes de sair.
— Acho que ele não gosta de mim — declarou Caroline, uma vez sozinhos.
Mas eu gosto, srta. Wembly.
— Ele está apenas cuidando de meus interesses — explicou Magnus. — Venha, vamos conhecer a casa. Meu irmão disse que viria hoje e, com um pouco de sorte, chegará para o almoço.
— Ah — balbuciou Caroline, surpresa.
— Quero dizer, se você não tiver outros planos.
— Na verdade não, mas minha mãe deve estar me esperando para almoçar.
-Não se preocupe — disse ele, levantando-se. — Enviarei alguém para avisá-la de que você passará a tarde comigo. Que tal? — Antes que Caroline pudesse concordar, Magnus ofereceu-Ihe o braço, e os dois seguiram para fora da sala. — Aceita uma xícara de chá? Quer comer algo?
— Não, obrigada. Ainda não estou com fome.
— Excelente. Então começaremos por este andar, e depois iremos ao andar superior.
— Andar superior?
Ele se virou. Os olhos azuis de Caroline, envoltos por longos cílios, evidenciavam toda sua preocupação.
— Fique sossegada, srta. Wembly. Não pretendo fazer nada antes de estarmos devidamente casados. Este passeio não a comprometerá de modo algum.
Magnus notou que havia traços de violeta em seus olhos agora irados.
— Está zombando de mim, senhor?
— De forma alguma. Estou tentando mostrar-lhe que não sou tão depravado quanto dizem por aí. Não agi como um cavalheiro até o presente momento?
— Sim — admitiu ela.
— Está vendo? São apenas boatos. Não tive tempo de pedir para minha tia-avó vir até aqui. Ela é a matriarca do reino e autoridade da família. Portanto, preciso me comportar
— disse ele, esboçando um sorriso. — Além do mais, poderemos nos conhecer melhor.
— Está certo, milorde — Caroline enfim concordou.
Enquanto caminhavam, o conde falava sobre a casa.
— Aqui é o salão de minha mãe, que você já conhece. Ela costumava reunir os amigos todos os dias. Eram artistas e músicos boêmios. Não temos uma sala específica de música. Temos a grande sala de jantar. Eu quase nunca a uso. — Magnus olhou a sua volta. — Para ser sincero, acho que nunca jantei aqui.
Ele lhe mostrou uma sala de refeições menor, uma sala aconchegante e um grande salão de baile com tantos espelhos que ela chegou a ficar tonta. O conde apresentou– a a todos os serventes que encontravam pelo caminho e também levou-a para conhecer a cozinha.
— Você é uma beleza! — elogiou a cozinheira, a sra. Bronson, sorrindo e batendo as mãos cheias de farinha. — Maravilhosa! Que bom terem decidido se casar agora. Acho tão romântico!
Caroline arregalou os olhos e virou-se para Magnus.
— Eu também — respondeu ele, com um sorriso nos lábios.
— Ah, meu Deus! Pobre criatura, ficou toda vermelha! Bem, vou voltar para meus pudins. Espero que esteja com fome, senhorita. Estou preparando um belo cordeiro.
— Para o almoço? — perguntou Caroline, quase em um sussurro, pois ainda não se recuperara do primeiro choque de escutar que ela e o conde pareciam enamorados.
— A sra. Bronson é uma excelente cozinheira — disse ele. — E adora me mimar.
— Saiam daqui — expulsou ela, envergonhada.
Os dois saíram e ficaram escutando-a resmungar com as outras criadas.
— Milorde?
— Magnus.
Ela parou.
— Como?
— Por favor, chame-me de Magnus. Não precisa me chamar de milorde nem de senhor.
— Sim. Está bem. Eu o chamarei de Magnus.
O conde notou que Caroline estava um pouco insegura,revelando uma faceta desconhecida até então.
— Gostaria que tivesse me informado sobre o fato de ...
— Estarmos apaixonados —adivinhou ele.
— Sim, exatamente.
— Minha cara srta. Wembly, ou posso chamá-la de Caroline? Acho que seria melhor. Caroline, por qual outro motivo nos casaríamos tão depressa a não ser pela simples impaciência do verdadeiro amor?
O sarcasmo em seu tom de voz a fez estremecer, e Magnus compreendeu em um piscar de olhos que ela sempre sonhara em se casar pela mais nobre das emoções. Amor. Ele nem mesmo sabia se esse sentimento realmente existia. Na verdade, não fazia a menor diferença, afinal era um assunto irrelevante em sua vida. Havia o dever, a necessidade e o prazer.
— Oh — suspirou ela, escolhendo suas palavras com cuidado. — Não estou criticando. Apenas gostaria de ter sido imformada antes. Fui pega de surpresa.
— Você tem razão, eu a deveria ter avisado. Peço desculpas.
Caroline pareceu aliviada.
-Diga-me, milorde ... Magnus — corrigiu-se determinada — onde nos conhecemos?
Ele caiu na risada.
— Você não se lembra? Um amigo em comum nos apresentou em uma reunião íntima em Londres.
Os dois desceram a grande escadaria, e Magnus continuou a apontar e explicar como as pinturas e as belíssimas obras-primas haviam sido conseguidas. Era informação demais para uma só vez.
— Você não espera que eu aprenda tudo de uma vez, não é? Vou tentar me lembrar do máximo, pois quando o bebê nascer ele precisará saber de tudo isso.
— Sim, claro. Não lhe mostrarei os quartos de hóspedes, mas imagino que esteja ansiosa para conhecer o seu. Chegamos.
Magnus abriu as portas. Eles entraram em um amplo dormitório decorado em tons de amarelo e cor-de-rosa.
— O quarto fica ali atrás, e há uma grande sala de vestir que tem ligação com meus aposentos. Há um gabinete sanitário ao lado.
Caroline tinha os olhos arregalados, o que o deixou satisfeito. Ele mesmo estava tendo dificuldades em acostumar-se com o ambiente. Havia anos, desde a morte de sua mãe, que não visitava aquela parte da casa. E mentira para Caroline. Seu dormitório não ficava ao lado. Jamais ocupara o lugar do pai no quarto principal, mas agora teria de fazê-lo.
O aposento havia sido redecorado havia apenas poucos dias, desde que ele decidira se casar. Caroline caminhava maravilhada, estudando cada detalhe.
— É lindo, milorde.
-Magnus — corrigiu ele.
— Verdade. Sinto muito, Magnus.
— Vamos. A conversa com a sra. Bronson me deixou  faminto. Imagino que você também gostaria de conhecer o quarto do bebê ..
— Sim, claro — concordou ela, e, pela primeira vez, o conde notou um brilho de alegria nos olhos azuis. Sentiu o perfume floral quando Caroline passou a seu lado, o que fez seu corpo enrijecer. Magnus sorriu e continuou a mostrar-lhe os aposentos.

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