Dia 1: Um homem e dois potes

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Então é isso. Estou aqui de frente para dois potes de plástico, nada caros, nada especiais e que podem mudar minha vida. Ou pelo menos meu ano.

Não! Caso você esteja pensando de cara que isso é algum relato escatológico na linha de Two Girls and a Cup — se por acaso você nunca ouviu falar desse fenômeno na internet, pesquise por sua própria conta e risco —, pode parar por aqui. Esta é a história de um homem que está desesperado para se sentir bem consigo mesmo e com o mundo.

Esse homem sou eu. Então vou parar de usar a terceira pessoa como se eu fosse algum vilão megalomaníaco de um filme B.

Estamos em 2017 — quase no meio de 2017 — e preciso contextualizar um pouco de tudo o que aconteceu na minha vida antes disso: em junho de 2016 eu decidi parar de fumar, de beber, comecei a me dedicar com afinco ao CrossFit e à uma alimentação saudável. Eu estava feliz, com um trabalho que me empolgava, amigos, meus livros estavam recebendo um reconhecimento modesto, estava me divertindo com meu canal no YouTube, e lá para dezembro, participei de um quadro de reality show, o quadro de culinária Jogo de Panelas, do programa Mais Você, da Ana Maria.

Foi uma grande experiência, com pontos positivos e negativos. Foi aí que tudo começou a ficar um pouco mais complicado. Enquanto participava do programa, experimentei na pele o que é estar verdadeiramente exposto e sofrer o escrutínio e as agressões gratuitas que surgem da internet. No fim, minha participação teve uma recepção majoritariamente positiva. Mas foram os comentários negativos que realmente me atingiram. É sempre assim né: a gente sempre leva os elogios como algo natural; as críticas sempre são golpes fatais que nos derrubam, puxam o tapete sob nossos pés, destroem sonhos e expectativas.

Comecei o ano de 2017 com minha ansiedade atacada no nível máximo: todas as minhas certezas sobre o rumo que minha carreira estava tomando foram jogadas numa pequena lixeira. Era como se eu tivesse recomeçado do zero. Eu voltei a fumar, beber e a comer besteiras de todos os tipos. Meus projetos e resoluções foram empurradas com minha barriga que crescia a cada dia. Eu ainda estava tentando terminar um livro de contos, eu ainda estava tentando colher os frutos da minha participação do programa, eu ainda estava indo ao CrossFit, eu ainda estava postando vídeos com certa regularidade no meu canal no YouTube... Mas eu simplesmente não estava lá. Não por completo.

É uma sensação de semivazio, de acomodação letárgica. Eu estava usando qualquer pequena alegria para ignorar o fato de que eu havia encontrado um alto muro no caminho. Ainda assim, eu não conseguia encontrar força para escalar. Força criativa, profissional, amorosa. E isso em um ano que, pela primeira vez desde que percebi que havia algo de errado comigo, eu procurei ajuda psiquiátrica para entender minha ansiedade/depressão.

Não preciso nem dizer que meus primeiros meses de tratamento não foram dos melhores.

Em um desses dias de abril, recebi um comentário anônimo no site Curious Cat — uma página que serve para enviar perguntas anônimas ou não para os perfis das pessoas — de uma pessoa que notou que eu não estava bem, inseguro, infeliz. Reproduzo o comentário aqui:

Se tá faltando amor próprio, tenho uma linda notícia para você. Já disse que você me inspira como pessoa, eu amo seus livros, seus vídeos, os textos do seu site, seus recortes pessoais. Eu acho que você não só me inspira, como inspira uma cambada de gente. Cara tu é um palavrão. Colega se você tivesse coberto dos pés até os olhos, você ainda assim seria MaraviLindo, não pq tipo tu é gostosinho, mas sim pq você é uma criatura incrível. Então tecnicamente o que vc vê naquele espelho, não é 10% do que qualquer pessoa com visão perfeita enxerga, Troque os óculos, e aliás fale disso com o grilo falante (digo profissional das psiques) Aliás faz um potinho da gratidão, vc já deve ter feito, mas...

No fim da mensagem, minha amiga anônima — acho que nunca poderei agradecê-la o suficiente mesmo que eu descubra um dia quem ela é — deixou um link para uma matéria que falava sobre essa estratégia de criar um pote da gratidão: todo dia você colocaria algo do qual é grato em um papel e colocaria no pote, criando uma rotina de perceber as coisas boas da vida, mesmo em momentos difíceis.

Dei-me conta de que era isso que estava faltando na minha vida: eu criei um ambiente em que eu me espelhava em outras pessoas das minhas redes sociais e amigos para saber se minha vida estava no caminho certo, quando eu deveria realmente me espelhar em mim. Nos meus próprios passos, nas minhas próprias conquistas e falhas. Eu fiquei acostumado a achar que conquistas só eram suficientes se fossem MUITAS ou GRANDES e deixei de me motivar pelas pequenas coisas.

Eu precisava de um pote de gratidão. Não. A situação estava difícil, então decidi que eu precisava de DOIS potes de gratidão. Foi daí que surgiu o projeto "Dois potes de gratidão", que agora irei explicar:

- Pegue dois potes, vasilhame, vasilhas, caixas;

- Em um deles coloque um papel com algo pelo qual você é grato;

- No segundo, uma moeda para cada papel;

- Escolha um período para fazer isso;

- Você precisa colocar pelo menos um papel no final do dia, mas pode exceder esse número para mais;

- No final do período, releia os papeis e faça algo positivo com o dinheiro que você juntou.

O período no qual escolhi fazer esse novo projeto foi o de 155 dias, número exato até o dia do meu aniversário de 31 anos em outubro. Os dois portes serviriam para me puxar dos momentos negativos e me impulsionar ainda mais nos momentos positivos: como a âncora e a vela de um barco — comparação clichê, eu sei, mas é essa simplicidade que eu queria que preenchesse meus dias.

Agora falta apenas explicar por que eu decidi documentar todo esse projeto. Não é para conseguir fama, dinheiro e outras benesses. Durante meu desmoronamento em dezembro de 2016 eu percebi a força que os comentários negativos na internet têm em nossas vidas. Ao mesmo tempo, acredito que o contrário também pode ser verdadeiro: comentários positivos, mesmo que anônimos, podem mudar a vida de uma pessoa, dar aquela força que está precisando. Em uma época em que o bullying cibernético, a saúde mental e o suicídio voltam a virar pautas dos meios de comunicação, precisamos estimular a positividade.

Por isso essa documentação: porque eu fiquei acostumado — para o bem ou mal — a me motivar com esse tipo de comentário. E ao mesmo tempo, gostaria de motivar pessoas que queiram fazer seus próprios potes de gratidão ou qualquer outra estratégia de motivação!

Só de começar esse projeto eu já me sinto mais leve. Estou acabando este primeiro capítulo depois de passar um dia com amigos, passeando pela Av. Paulista, fechada no feriado do Dia do Trabalho.

Parece que toda vez que você se propõe a fazer algo bom — para você mesmo, para os outros — seu corpo começa a responder de imediato, mesmo quando você ainda não tem ideia de quais serão os resultados. 

2 potes de gratidãoOnde histórias criam vida. Descubra agora