Eu nunca fui muito interessado pela cultura drag. Sabia que elas existiam e adorava um show ou outro que presenciava nas baladas que frequentava quando tinha acabado de chegar aqui em São Paulo. Quando as pessoas me falavam que eu deveria assistir ao programa Rupaul's Drag Race, eu sempre desviava do assunto e falava que o formato não me interessava.
Mas aí, lá em 2014, em uma fase deprê da minha carreira como escritor, eu finalmente dei uma chance para a cria de Rupaul — que naquele ano tinha sido disponibilizada na Netflix, todas as primeiras 6 temporadas.
Tinha pedido demissão na época, então tive bastante tempo livre para me atualizar e me apaixonar pelas histórias de todas as drags. Todas tinham algo para contar, mesmo que algumas delas não fossem minhas favoritas; todas tinham passado por momentos difíceis: por serem gays, pobres ou trans ou mesmo por serem drags. Por mais que não fosse uma drag batalhadora, eu me via ali, me enxergava naquela incompreensão que recebia do olhar de outras pessoas e aquela vontade de alcançar o reconhecimento que eu achava que merecia. E, ainda assim, minha jornada nunca seria tão árdua quando a de uma drag queen.
Isso porque elas podem ter rainha em seu ofício, sua identidade, mas elas vivem uma vida marginal que parece só sobreviver no calor dos holofotes. Sem o sucesso, sem a adoração, elas são esquecidas. Por isso, no dia 27, chamei meu amigo Brunno Fróes e seu alterego, a Chloe Stardust, para fazer um vídeo para o meu canal me transformando em uma verdadeira drag.
Eu queria, mesmo que por algumas horas me transformar em uma drag, enquanto escutava um pouco dos bastidores desse universo da boca de uma delas — e uma drag que estava começando a dar seus primeiros passos de salto-alto.
Foi transformador. E por mais que algumas pessoas falem que foi um ato corajoso da minha parte, que é preciso "ser homem de verdade para se vestir de mulher", isso é tudo mentira. Isso tudo não passa de mais um preconceito machista. Ser drag pode significar tanta coisa e coisas diferentes para cada rainha — para a Chloe é uma parte intrínseca de sua identidade. É preciso ser muito drag, uma drag cheia de paixão, força interior, perseverança, atitude, humor, profissionalismo, para ser uma DRAG QUEEN.
Fico muito feliz de molhar os pés nesse enorme oceano que é a cultura drag e poder entender e levantar alguns questionamentos que precisam continuar sendo feitos. As drags precisam e merecem todos os tesouros, méritos e louros dignos de verdadeiras rainhas.
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2 potes de gratidão
Non-FictionNos momentos mais complicados das nossas vidas, é difícil reconhecer coisas positivas e conquistas. Esse é o relato da minha jornada para redescobrir as coisas boas e positivas da vida. Por isso estou começando o projeto Dois Potes de Gratidão: - Pe...