Temporal

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Algo inusitado estava prestes a acontecer naquele quarto que já presenciara diversos tipos de atos, diálogos e toques. A janela estava aberta e um vento forte entrava no cômodo, fazendo a cortina branca esvoaçar de acordo com a intensidade da brisa. O céu escuro lá fora foi manchado por trovões e raios que iluminaram todo o ambiente.

Marc fechou mecanicamente a janela com um baque. Evitou pensar em qualquer coisa que fosse, com medo de descobrir mais alguma novidade sobre si mesmo. 

Archie olhou para o outro através do batente da porta com curiosidade. Notou a folhagem que havia dado para ele na cabeceira ao lado da cama. Arregalou os olhos e correu para perto da planta como se fosse um filho que há muito tempo não via.

—Por que ela está aqui? Perguntou, tocando suas folhas com carinho.

Continuava viva e brilhava do mesmo jeito de quando a comprara. Ficou feliz ao saber que Marc estava tomando conta do presente que dera. Reparou que a planta estava num vaso diferente, branco e de cerâmica.

—O vaso quebrou, Marc murmurou, tentando soar indiferente. Tive que colocá-la em outro.

—Acho que ela vai ficar melhor e pegar mais sol aqui do que no corredor, sorriu.

Archie ainda vestia o casaco pesado de inverno e, ao perceber que não era mais necessário usá-lo por conta do ar condicionado, tirou-o, dobrou-o e colocou-o em cima da cama.

Tudo aquilo (a proximidade e quietude) era estranho, ainda mais para Marc, que não estava muito acostumado a conversar com outras pessoas, especialmente com Archie. Era fechado, reservado, discreto e preferia guardar seus problemas para si como se fossem segredos.

Engoliu em seco enquanto tentava pensar em algo para dizer e a expressão irritadiça nunca saiu do rosto que estava quase sempre retorcido numa carranca.

Havia algo feroz e charmoso naquele semblante irritadiço.

Ouviram um som alto e estrondoso que deixou-os assustados e logo perceberam que uma tempestade acontecia lá fora. A casa estava silenciosa e parecia um pouco sombria.

Os únicos sons ouvidos dentro daquele quarto eram da chuva batendo com força na calçada e dos trovões reverberando por seus corpos. Era como se estivessem numa casinha pequena, pois era daquela maneira que se sentiam comparados à intensidade daquela tempestade: pequenos. As gotas fortes formavam uma sinfonia agitada e intensa lá fora.

Os relâmpagos iluminaram a face dos dois enquanto olhavam um para o outro. 

Archie ficou curioso com o silêncio de Marc, pois ele sempre quebrava a quietude nem que fosse para reclamar. Observou-o perto da janela: os braços estavam apoiados no vidro, ele olhava para a rua e respirava fundo. As estrelas e os relâmpagos estavam refletidos nos olhos escuros.

Marc amava as tempestades, sobretudo o barulho estrondoso dos trovões, que faziam-no sentir-se eufórico e com uma vontade estranha de gritar toda vez que era agraciado com aquela combinação forte de chuva e trovoadas.

Várias gotas escorriam pelo vidro e Marc imaginou-se na rua, sentindo a água escorrer por sua roupa, cabelos, narinas e cílios. Imaginou-se entreabrindo os lábios para deixar a chuva entrar, encharcado de prazer com algo tão banal e natural. Era uma das melhores sensações do mundo, perder-se nos barulhos mágicos da natureza, mas algo que nunca faria na frente de ninguém.

Marc relaxou ao imaginar o corpo sendo tocado pelas gotas frias da água que molhava a cidade. Gostava daquele tempo porque acalmava e dava esperanças de que no dia seguinte tudo poderia ser diferente e que poderia ser uma pessoa boa e melhor.

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