4. View

35 4 0
                                    

1 ano e 2 meses antes

Suspirei aliviada assim que ouvi o sinal tocar. Já estava na hora, não aguentava mais copiar matéria. Guardei todas as minhas coisas com uma velocidade surpreendente, mas fui interceptada por Areum, que segurou meu pulso. A encarei.
- É (s/n), né?
- Você não sabe meu nome? - Eu realmente não podia acreditar, nós estudávamos juntas desde o ensino primário.
- Claro que sei, só queria confirmar. Irmã do Jimin?
Obviamente a situação tinha a ver com o Jimin.
- Sou eu mesma. Quer que eu mande algum recado?
- Na verdade, sim. Agradeça a ele pelo conselho.
Devo ter parecido confusa, porque ela esclareceu o tal conselho logo depois de dar o recado.
- Não ter expectativas com o Jungkook.
Durante um segundo meu coração parou de bater.
- Ah, é? P-por que?
Gaguejei como um pato. Que coisa ridícula.
- Porque ele é péssimo.
Não fiz mais perguntas, afinal, não me interessava nem um pouco.
Ou interessava? Afastei os pensamentos perturbadores da minha cabeça e segui em frente, deixando Areum de vez. Passei pelos corredores sem me ligar muito no que acontecia, mas acenei para meu amigo Yugyeom.
Chegando no pátio, fui interceptada por ele.
- Eu te chamei e você nem ouviu! - Ele reclamou.
- Desculpa, tô muito avoada hoje. Deve ser por causa das provas.
- Eu e Jinyoung vamos na pizzaria aqui perto, quer vir?
- Infelizmente vou ter que rejeitar, hoje o meu irmão vem me buscar, vamos buscar meus primos na estação de trem.
- Sua prima Sana vem? - Ele perguntou com um olhar pervertido.
Rolei os olhos.
- Não, Yugyeom. Quem vem é a Gaeul.
Pude notar claramente nos olhos dele a decepção. Por que meus amigos sempre tinham uma queda pelas minhas primas? Antes que ele pudesse dizer mais alguma coisa, ouvi uma buzina que reconheci como o carro de Jimin.
- Tenho que ir, Yugy.
- Vou guardar uma pizza pra você, noona!
Agradeci em alto e bom som enquanto caminhava em direção ao carro. Entrei no carro e levei um susto quando vi quem estava ao meu lado.
- O que você está fazendo aqui?
- Seu irmão teve que resolver um assunto na faculdade e pediu pra eu ir buscar seus primos contigo - Jungkook respondeu.
- Que tipo de assunto? - Ele não respondeu. - Me diz que não é mulher.
- Não, por incrível que pareça. Eu nem sei, pra ser sincero.
Ele me encarou por mais alguns instantes antes de sair com o carro. Jimin sempre furava comigo, independente do que fosse. A irresponsabilidade dele me dava nos nervos.
- Eu vou bater nele - confessei. - Até ele deixar de ser um idiota.
- Por que idiota?
Olhei para o rapaz que tinha os olhos fixos na estrada.
- Você é o melhor amigo dele, deve saber o porquê.
- Pelo contrário, Jimin é um ótimo amigo.
- Provavelmente sim, mas ele é um péssimo irmão. Cá entre nós, ele não gosta de mim.
- Como pode dizer isso? Ele te ama.
- Até parece. Às vezes eu tenho certeza que ele só me atura por obrigação. É muito difícil de lidar, Koo...
Controlei minha frase antes de deixá-la sair toda pela minha boca.
Acho que o garoto ainda estava esperando que eu continuasse de falar, porém me mantive calada. Não podia arriscar.
- Eu sei que ele é meio... Estranho, mas é só uma forma de mostrar afeição. É como o Taehyung. Se ele te manda mensagem de madrugada enchendo o seu saco é porque ele gosta de você.
Assenti, de fato, Tae realmente fazia aquilo.
- Pode ter certeza que seu irmão te ama. Como você mesma acabou de dizer, sou o melhor amigo dele. Isso quer dizer que eu sei do que estou falando.
Sorri, sentindo um calor confortável me consumir pelas palavras doces dele. Ele também sorriu na minha direção quando parou no sinal.
Eu sabia o que estava acontecendo. Aquele silêncio constrangedor. É claro que tínhamos que evitar o assunto "nos beijamos". A última vez foi há 15 dias, quando encontrei com ele na faculdade do Jimin. Posso dizer que ficar se pegando no armário de vassouras traumatizou um pouco ambos, porque nenhum dos dois tentou alguma coisa depois daquilo. E lá estava eu, dentro do mesmo carro que ele. Se Jungkook quisesse me empurrar no banco e atacar meus lábios, não haveria dificuldade. Porém, nada foi realizado. Finalmente chegamos na estação. Desci do carro junto com ele, caminhando até a entrada.
Esperamos alguns minutos até eu sentir um abraço me sufocando. Soube na hora que pertencia a Gaeul, minha prima. Me virei e retribuí o carinho, dando vários pulinhos com ela. Logo atrás vinha Namjoon, meu primo. Também o cumprimentei com um abraço apertado.
- Quanto tempo! Já estava com saudades! - Minha prima gritou.
- Saudades de mim ou de Seul?
- De você, sua anta. Mas também da cidade. Qualquer coisa é melhor que Ilsan.
- Cadê o Jimin? - Namjoon perguntou.
- Ele teve uns problemas na faculdade. Já ia me esquecendo. - Virei para o garoto, puxando-o pelo pulso. - Esse é o Jungkook, melhor amigo do Jimin. Ele que me trouxe aqui.
- Prazer, me chamo Gaeul. Esse é meu irmão Namjoon.
Jungkook cumprimentou os dois com se curvando, em seguida ajudando Gaeul com suas malas. Chegamos no carro ainda conversando sobre todas as coisas pendentes. Até mesmo Namjoon estava empolgado, contando sobre as suas saídas no meio da noite pra assistir concursos de rap no metrô.
- Vamos passar no shopping! - Gaeul pediu. - Preciso comprar seu presente de aniversário mega atrasado.
- Não precisa disso.
- Claro que precisa.
Depois de muita discussão, nem percebemos que Jungkook tinha dirigido até o shopping. Eu o encarei com os olhos cerrados e ele riu. Mas que desgraçado.
Eu nunca fui muito fã de shoppings. Acho que os filmes colocavam expectativas demais nesses lugares. No final, são apenas locais onde compramos coisas.
- O que você gostaria de ganhar? - Gaeul perguntou. - Nunca mais te dou um sutiã.
Fiquei vermelha imediatamente. Por favor não ressuscite a história do sutiã pequeno, prima.
- Bem, eu gosto de maquiagem, livros, acessórios...
- Que tal uma gargantilha com purpurina prateada?
- Nossa, que específico.
- Acabei de ver na vitrine.
Me virei e fiquei apaixonada pela tal gargantilha. Balancei a cabeça num sinal de sim com um sorriso estampado no rosto.
- Então vamos, tá esperando o quê?
Deixamos Namjoon e Jungkook do lado de fora, conversando. Eles pareciam estar se dando muito bem. Dentro da loja, experimentei a gargantilha e tive a certeza de que precisava dela. Gaeul então a comprou, entregando a sacola pra mim. Eu a agradeci com um abraço e fomos ao encontro dos garotos.
- Fico feliz que tenha gostado - meu primo comentou. - Pelo menos pra isso Gaeul serve.
A garota deu um soco no braço dele, que riu alto.
- Podemos comer? - Perguntei. - Tô morrendo de fome.
Poucos minutos depois estávamos saboreando um lanche comprado em uma lanchonete qualquer. O que importava era o sabor. Gaeul e Namjoon pareciam estar super entretidos no shopping, mas eu não via graça nenhuma.
O que tem pra se fazer num shopping além de comprar coisas? Nada. Então, quando não se tem dinheiro, não há um motivo. Porém, lá estava eu, mastigando lentamente uma batata frita. Ajeitei o botão ruim do blazer de meu uniforme, lembrando que havia uma penca de resumos para entregar no dia seguinte.
- Ainda tá solteira? - Gaeul perguntou repentinamente.
A encarei ridiculamente surpresa. Eu conseguia ser bem idiota às vezes.
- Claro - respondi. - Não tenho tempo pra namorados.
- Mentira, eu te conheço. Sei bem quando está escondendo alguma coisa.
Sorri de lado, escondendo meu nervosismo.
- Pois seu julgamento está errado. Meu único foco é não reprovar.
Namjoon suspirou fundo, passando o dedo no molho de queijo espalhado pela embalagem de seu lanche, deixando alguma coisa escrita.
- Isso me lembra que preciso estudar para as provas de admissão - ele comentou.
- Já vai fazer admissão? - Jungkook se manifestou após minutos de completo silêncio. Parecia genuinamente interessado. - Quantos anos tem? Se me permite perguntar.
- Vou fazer 22 em setembro - meu primo respondeu. - Se eu não prestar a admissão agora, eles podem levar anos para me chamar.
- Ele está muito focado em fazer estágio - Gaeul apontou para o irmão. - Relações internacionais.
- O estágio paga bem quem fala inglês - disse, sem emoção. - É uma oportunidade de ouro, Namjoon.
Ele deu de ombros. Não parecia muito satisfeito com o rumo que sua vida estava tomando. E quem estava, não é mesmo?
O garoto sentado ao meu lado pegou o telefone que apitou, checando cada mensagem com tamanha concentração que fazia sua testa franzir.
- Jimin está quase sendo liberado na faculdade. Pediu para encontrarmos com ele perto do parque.
Terminamos de comer e nos dirigimos até o carro. No caminho até o parque, continuei meu hábito de observar a paisagem urbana através do vidro embaçado das janelas. Embora fosse quase verão, sempre havia gotículas nos vidros. Enquanto o carro andava, avistei uma loja de discos. Soltei um grito, atraindo a atenção de todos.
- Estaciona! Quero ir naquela loja de discos!
- Uma loja de discos de verdade?! - Namjoon grudou a cabeça no vidro para poder enxergar melhor.
- Sim, vamos parar, ótimas fotos podem sair disso.
Jungkook estacionou perto da loja. Descemos com uma certa velocidade, ansiosos para desbravar aquele ambiente. O sino pendurado na porta tocou assim que eu a empurrei, sentindo imediatamente um cheiro de café misturado com um odor antigo. Prateleiras e mais prateleiras de mogno com discos diversos se estendiam pelo lugar incrivelmente grande, porém pouco movimentado. O chão de madeira continha desenhos entalhados da própria árvore, combinando perfeitamente com as paredes vermelho veludo. Para complementar o ambiente, um lustre de cristal decorava o centro do teto, em toda a sua magnitude. Eu estava maravilhada.
- Vou aos clássicos - Namjoon anunciou. - Falta apenas um disco para completar minha coleção do Frank Sinatra.
Assenti, admirando o local um pouco mais antes de caminhar em direção a sessão dos nem tão antigos, reconhecendo na hora o vinil do melhor álbum de todos os tempos.
- Favourite Worst Nightmare.
A voz dele parecia perfeita para pronunciar aquelas palavras. Por trás de mim, senti ele erguer os braços e pegar algo acima de mim.
- Pet Sounds - li assim que identifiquei o vinil. - The Beach Boys.
- Sim. - Ele sorriu abertamente. - A melhor coisa que já escutei.
- Você realmente gosta de Beach Boys.
- Claro, eles me criaram. Eu nem existo se não escutar ao menos uma música deles por dia.
Durante alguns segundos, o silêncio se fez presente. Talvez não houvesse nada a se dizer. Simplesmente alguns momentos não deveriam ser preenchidos por palavras. Quem sabe se ele tivesse dito algo, a situação hoje em dia seria um pouco diferente. Eu ergui meu olhar para encará-lo, sentindo-o retribuir meu olhar com a mesma intensidade. Cada pedaço da minha pele se arrepiou com o tal olhar. Jungkook abriu a boca para falar alguma coisa, mas foi interrompido por meu celular tocando de maneira estridente a música Mr. Simple do Super Junior. Atendi, lendo o nome de meu irmão no visor do celular.
- Alô - falei, ainda olhando para o rapaz.
- Onde vocês estão?
- Numa loja de discos perto do parque.
- Tô passando pelo parque agora, será que vocês podem vir ao meu encontro?
- Claro, Jimin - eu disse, colocando peso nas minhas palavras. - Não seríamos capazes de deixar você sozinho, na mão, ou algo do gênero.
Jimin, obviamente, não disse nada. Eu não esperava que ele fizesse algo diferente. Suspirei, meu coração batendo um pouco mais decepcionado que antes.
- Tchau, Jimin. Já estamos indo até você.
Guardei o celular no bolso, soltando o ar pela boca.
- Eu sei que ele é o seu melhor amigo - falei para o rapaz. - Mas eu não aguento mais.
Ele não respondeu, porém pude sentir que foi apenas para não dizer algo contra o seu amigo de anos.
Seguimos em direção ao caixa, onde reencontrei meus primos, que discutiam entre si sobre os seus gostos musicais. Pagamos nossos respectivos vinis e saímos da loja. Avistei Jimin de longe, sentado no banco da praça com uma expressão de poucos amigos. Ao menos ele ainda sentia remorso. Namjoon e Gaeul cumprimentaram seu primo com felicidade e entusiasmo. Tentei ao máximo esconder minha cara de bunda pra toda aquela situação, porém era quase impossível. Acho que Jungkook percebeu, porque saiu e voltou alguns minutos depois com um sorvete de morango, entretanto pra mim. Sorri, saboreando o doce contraste gelado do gosto com o amargo da vida.

Playing With FireOnde histórias criam vida. Descubra agora