14. Um dia para Ailuj

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Depois daquele sonho, a vida de Júlia mudou totalmente.

E é claro que não foi à toa, na verdade aquele sonho foi o destino dizendo: "Ei, você é livre agora". E, graças ao céus, Júlia sempre foi boa em entender sinais.

Por isso ela escolheu aquele dia, o dia de inscrição na faculdade, para ser o dia da Ailuj.

Por que esse dia? Bom, resposta mais simples não há, ela não sabia o que fazer. Ela queria mesmo fazer faculdade? Se sim, do quê? A faculdade é pra quem? Júlia ou Ailuj?

Ela teria todo o resto da semana para se decidir, mas aquele dia ela queria apenas esquecer de tudo, de toda a confusão que a vida da Júlia era.

Tinham se passado três anos, muitas coisas mudaram. Para melhor, como Megan voltar da França, Vinícius voltar da casa do pai e seus sentimentos por Renan passarem, como para pior, como a morte dos avós e as mudanças que ocorriam na personalidade de Júlia frequentemente e ninguém entendia.

Seus amigos estavam todos juntos de novo, mas ela sentia-se cada vez mais deslocada, como se, de repente, eles não precisassem dela como antes.

E talvez não precisassem mesmo. Vinícius e Megan tinham acabado de reatar, Kaique e sua namorada estavam completando três anos de namoro, Lola estava conhecendo uma garota, que de acordo à suas palavras, era diferente de todas as outras, Tamy e Renan eram os únicos que pareciam ficar bem solteiros, mas claro, esses dois ainda tinham muita história.

Se fossem só seus amigos, tudo bem. É normal os amigos se afastarem quando têm de seguir suas próprias vidas que, por muitas vezes, têm caminhos diferentes. Mas até sua família... Até ela parecia estar indo por um caminho diferente do dela.

Ela sabia que sempre a amariam e ela sempre amaria a eles, mas ela também sabia que entre seus irmãos, ela provavelmente seria aquela que só aparece nos finais de semana e feriados. Aquela filha distante que de repente está casada e os pais nem ficam sabendo.

Isso era triste e deixava Júlia triste.

Por isso ela queria deixar tudo pra lá, mesmo que por pouco tempo, mesmo que só por um dia.

Disse aos pais e aos amigos que passaria o dia fora, eles não questionaram.

Ela queria se conectar com a natureza, queria ficar perto das pequenas coisas que viu em seu sonho. Por isso foi ao campo, mesmo que no dia estivesse nevando.

Ela só não contava que aquele dia fosse realmente ser incrível.

Tudo começou, mais uma vez, com a frustração. Ela sentou em uma pedra grande e ficou esperando algo acontecer, dentro dela ou ali, naquela pedra, mas nada acontecia.

E quando ela estava quase desistindo, um garotinho foi até ela, com as bochechas rosadas de vergonha.

Ela olhou pra ele de um jeito amigável, encorajando-o a seja lá o que ele queria fazer.

— Toma! — ele esticou o braço, entregando-lhe uma flor.

Ela sorriu surpresa e pegou a flor. O garoto saiu correndo até que ela o perdesse de vista.

— Uma flor no inverno... — disse a si mesma, no meio de um devaneio.

E como um devaneio marítimo, o vento soprou forte, fazendo a flor voar de suas mãos.

— Droga! — falou levantando.

Caminhou até a flor e quando foi pegá-la, o vento a soprou novamente, dessa vez para mais longe ainda.

— Sério?

Correu até a flor e daquela vez ela não voou por aí.

De onde estava, ela ouviu cantoria. E como em um jogo de pistas, ela foi seguindo o som. E conforme se aproximava, foi vendo pessoas, algumas sorrindo enquanto dançavam e cantavam, outras concentradas nos paços de dança, mas todos visivelmente felizes, principalmente aqueles que eram responsáveis por trazer pessoas para participarem do Flash Mob. Uma dessas pessoas puxou Ailuj pelo braço e quando ela se deu conta, já estava pulando e cantando junto com aquele montão de gente desconhecida.

É incrível como em momentos como este, as pessoas esquecem as diferenças. É todo mundo tão feliz, tão "nem aí" pro resto. É exatamente o que eu precisava. É isso que eu quero pra mim.

Ailuj conheceu duas garotas, as três estavam combinando paços e criando coreografias durante o Flash Mob e acabaram gostando muito da companhia uma da outra, então deciram sair para uma lanchonete no fim da apresentação.

— Vocês são ótimas — uma das garotas disse a elas.

— Compartilho do mesmo sentimento! — Ailuj disse enquanto saíam da lanchonete.

— Não queria que o dia acabasse agora... Vocês são tão divertidas!— a outra disse com pesar.

— Não precisa acabar, tenho uma festa pra ir hoje à noite. Topam?

— Eu topo! Ailuj?

— Garotas — apoiou os braços nos ombros das duas — vamos para a festa!

Júlia era habituada a ir em festas com seus amigos, mas Ailuj, esta nunca foi a uma. Ailuj nunca ficou bêbada, nunca voltou tarde pra casa, nunca beijou um desconhecido.

E aquela noite, ela queria fazer tudo isso.

Então se acabou de dançar na pista de dança, bebeu com suas novas amigas, beijous bocas desconhecidas e as três até se aventuraram em um beijo triplo no ápice da noite.

Ailuj estava palpitante, estava viva e sua presença era gritante!

Ela nunca esteve tão feliz em toda a sua vida...

Quando a festa acabou, era tarde demais para voltar pra casa, então dormiu na casa de uma das garotas.

Pelo o que observou da casa, ela não era tão maluca e festeira como foi na noite passada, era uma universitária comum que curtia às vezes.

Depois de se despedirem e trocarem números, Ailuj partiu dali, mais que satisfeita.

Ao passar pelo campo, viu a pedra, a mesma pedra que tinha sentado horas antes. Sorriu e caminhou até lá.

Sentou-se, o sol estava nascendo e era lindo. O mundo era bem mais bonito agora.

Ela iria sentir falta de Ailuj, falta dela e do jeito bonito que ela via tudo.

Ailuj pensou que suas aventuras estavam no fim, mas elas estavam apenas começando.

No caminho de volta, enquanto esperava o ônibus parar no ponto de sua cidade, entrou um rapaz. Ele parecia familiar para ela, é como se já o tivesse visto em algum lugar antes.

Ele tinha cachos não definidos da cor castanha. Tinha pequenas sardas no rosto e seus olhos eram verdes, um verde intenso.

Ele sorriu pra ela enquanto falava com o motorista. Ela sorriu de volta.

O garoto foi andando até ela, devagar, não tinha pressa. Sentou ao seu lado.

— Oi — ele disse.

— Oi.

Os dois olharam pra frente e Júlia provavelmente não diria nada, mas sabemos que não era ela quem estava sentada ali.

— Por que tenho a impressão que já te vi antes? — ela perguntou.

— Acho que não, se eu tivesse te visto antes, com certeza notaria.

Ela riu, uma risada boba que ele adorou ouvir.

— Prazer, Thomas — estendeu a mão para um cumprimento.

— Thomas? — perguntou surpresa. — Uh, isso é, nossa!

— O quê? — falou rindo, achando graça da confusão dela.

— Não é nada, eu acho.

— Okay... Não me disse seu nome.

— Meu nome? — sorriu — Ailuj.

Aleatoriamente, JúliaOnde histórias criam vida. Descubra agora