Capítulo quatro

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Apesar das discussões infinitas com a mãe, das noites mal dormidas na poltrona da vó (porque eu estava brava demais para dormir em casa) e dos sermões vindos das duas, eu gostava de trabalhar naquele hospital

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Apesar das discussões infinitas com a mãe, das noites mal dormidas na poltrona da vó (porque eu estava brava demais para dormir em casa) e dos sermões vindos das duas, eu gostava de trabalhar naquele hospital... Mesmo que fosse como plantonista em uma madrugada de sexta-feira.

Eu nunca admitiria isso para elas, claro. Depois de ter reclamado que não me pegariam viva trabalhando em uma instituição particular (não importava o quanto me pagassem), que não dirigiria duas horas até uma cidadezinha minúscula e que ainda não estava pronta para fazer qualquer coisa relacionada a medicina outra vez, minha mãe mandou meu currículo para hospitais, me empurrou para o carro à força e ainda teve ajuda da vó, "quer que eu busque o tranquilizante?".

"Tranquilizante" era o ansiolítico que ela sempre tomava antes de ir ao dentista ou a qualquer consulta médica (mesmo tendo filha e neta médicas).

E assim a mãe dirigiu até o hospital, onde fiz uma entrevista decente, mesmo sabendo que a posição era provavelmente minha, pois o homem responsável pela escala de plantões era amigo da mãe e costumava ir aos meus aniversários de princesa.

"Você vai lá e vai dar o melhor de si, Navarros não desistem e não fazem nada pela metade, tá me entendendo?", ameaçou a mãe, cuspindo em mim as palavras do meu avô.

Eu não tive escolha e dei o melhor de mim. Junto com meu currículo e um sorriso aberto, consegui meu primeiro emprego oficial, com salário e tudo.

Em dias como esse, com uma chuva torrencial lá fora, a madrugada à espreita em cada enfermeira que passava agarrada a um copo de café, eu sentia que tinha feita a escolha certa. Ou que tinham feito a escolha certa por mim.

Motivo? Às vezes eu esquecia a alegria agridoce que era poder atender às pessoas, ouvir suas histórias e roubar pedacinhos de suas vidas, misturando-os à minha própria. E numa cidade pequena como aquela, com um plantão calmo como aquele, pessoas e suas histórias faziam toda diferença.

Como Jéssica, com dezenove anos, grávida do primeiro filho. Ela estava morta de medo, mas igualmente animada para ter a criança, o que a trouxe ao hospital às duas da manhã com febre e garganta inflamada. Jéssica contou que sua avó iria lhe ajudar a cuidar do novo membro da família para que pudesse continuar a faculdade de pedagogia. Mesmo sem ter decidido o nome da criança (ela queria homenagear a vó), Jéssica estava nas nuvens por ser uma menina. Meninas eram tudo de bom, nós concordamos.

E também seu João, carregando todos os seus setenta anos, com pulmões de cem e costas de oitenta e cinco anos. Ele me contou sobre como ajudou sua filha a mudar de casa sem seu corpo reclamar, embora com o tempo ruim, frio e molhado, ficasse difícil para ele fazer exercícios que mantivesse a enfisema pulmonar sob controle. Seu João também me contou histórias sobre seu pai, que viveu até os noventa, e sobre como era um "cabra macho", que lhe dava cachaça aos cinco anos para dormir.

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