Capítulo onze

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Para um transeunte que insistisse em olhar pela janela da sala da minha casa, eu estaria sentada meio no apoio do sofá, meio no patamar da janela, lendo um livro e perdida em pensamentos olhando para rua lá fora

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Para um transeunte que insistisse em olhar pela janela da sala da minha casa, eu estaria sentada meio no apoio do sofá, meio no patamar da janela, lendo um livro e perdida em pensamentos olhando para rua lá fora.

Para mim, eu estava lendo a mesma sentença pela trigésima vez enquanto tentava avistar Isaac visitando dona Neide, como era costume nesse horário.

Eu não era uma perseguidora. Sim, eu sabia seus horários regulares de visita, sabia onde ele morava, cultivava uma paixão secreta pela sua casa e seu corpo que, enfeitado com aquele sorriso, ajudou minha imaginação a fazer coisas impróprias quando a internet caiu. 

Mas isso era informação quase de domínio público!

O fato era que eu tinha tempo livre demais e estava o usando da pior maneira possível, decorando minha agenda com maratonas de séries românticas, tentativas de cozinhar, tricotar, organizar armários da cozinha e nossa geladeira (depois de dois dias tentando imitar a geladeira de Isaac, desisti), correr, lavar todas as cortinas da casa, meu carro, o da mãe, o quintal e visitar os amigos da vó na casa de repouso (apenas quando vó Glória insistia, já que ela preferia ir sozinha. "Você só me faz passar vergonha", ela dizia quando eu contava histórias engraçadas que não ressaltavam as qualidades de sua neta). Eu fazia tudo e qualquer coisa que não envolvesse sentar a bunda e estudar para a prova da residência com o edital do ano passado.

Pela trigésima primeira vez, meus olhos se perderam do papel para a janela, cruzando a rua até a casa rosa de dona Neide. Portas e janelas abertas, flores subindo felizes pelo muro, nenhum sinal da senhorinha serelepe ou seu neto-montanha por perto. Que tristeza.

Quando me tornei alguém que esperava as coisas acontecerem?

Quem era a garota que roubou um beijo (de língua e meio quilo de baba, infelizmente) do garoto mais bonito da segunda série (e ainda hoje não consegue olhar nos olhos do pobre Douglas depois daquele fiasco)? Quem era a garota que chegava nos caras de que gostava, que não tinha medo de se arriscar e mostrar para o mundo que ela não tinha vergonha de suas escolhas?

Isso mesmo. Mariana Navarro, ao seu dispor.

Então por que diabos eu estou cheia de dedos, me escondendo atrás da cortina com cheiro de amaciante, esperando um cara chegar?

Decidida a não me comportar feito trouxa, desci do sofá e peguei a muda de roupas que Isaac havia me emprestado na semana passada. Meu plano envolvia atravessar a rua, bater na porta de dona Neide e fazer dela minha melhor amiga até que me contasse tudo sobre seu neto, em especial seu tipo de bolo favorito. (E depois torcer para que esteja à venda na padaria.)

Me sentindo corajosa e cheia certeza, atravessei a sala até a porta. Pressentindo minha autoconfiança, meu celular começou a gemer e gritar um toque alto e pavoroso, reservado à única pessoa que me fazia ansiosa com suas raras ligações. Imediatamente meu coração disparou e minhas mãos vazaram suor. Todo sangue e bravura abandonaram a Mariana que não se importava com nada. Restava apenas a garota que odiava falar com seu próprio pai.

Salvando MarianaOnde histórias criam vida. Descubra agora