Capítulo dez

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- E daí ele saiu xingando meio mundo porque não dei o remédio que ele iria - disse Sabrina, residente novata (segundo Nívia) de ginecologia e obstetrícia, para Bárbara, residente do segundo ano (também segundo Nívia). - Mas ele já tinha falado que o antibiótico antigo não estava funcionando, então era óbvio que eu precisava receitar outro, tendo ele comprado o antigo ou não, não é meu problema.

Ela dizia "não é meu problema" como se realmente acreditasse que não era problema dela. Sabrina apenas continuou encarando seu celular com capinha da torre Eiffel enquanto seus dedos rolavam na tela. Eu odiava pessoas que conversavam com outras fitando os olhos do celular. Exatamente. Que olhos?

- Eu sei, menina, dar plantões não é um inferno? - O tom de Bárbara era puro desgosto. Como alguém pode ser tornar médica com tanta má vontade assim?

Veja, eu também tenho meus dias ruins, todo mundo tem, mas todas as vezes em que sentei na sala de descanso, as duas sempre estavam reclamando de algo. E seu "algo" favorito eram pacientes - um hábito que eu detestava.

Por esse motivo, e por estar há longas horas sem dormir, um risinho irônico escapou da minha garganta. Ele nasceu arrependido, mesmo antes de encontrar o olhar de desprezo das duas companheiras de sala.

Obviamente, eu culparia Nívia pela cena a seguir, por ter me feito sair da rotina de lanchar dentro do meu carro no estacionamento quase vazio do hospital, por ter me atraído com conversas sobre seu casamento em seis meses e por ter me feito esperar por ela no cativeiro das cobras. Tudo culpa dela.

- Ah, eu não vi você aí - disse Bárbara, enrolando uma mecha do seu cabelo louro preso num rabo de cavalo alto e impecável, apesar de estarmos no meio da madrugada. - Mesmo com toda essa cor...

Seus olhos se demoraram em meus sapatos (Crocs rosa chiclete, porque sim) e subiram devagar até meu coque e minha cara lavada. Apesar de seu menosprezo, eu estava decente. Quase não se via minha blusa lilás por baixo do jaleco.

O problema, na verdade, eram elas. Elas e seus saltos altos no plantão noturno. Elas e suas maquiagens dignas de selfies. Elas e suas saias no comprimento perfeito. Elas e suas pernas longas e respeitosas. Elas e suas residências sambando na minha cara.

- Não se preocupe, Mariana, nem todo mundo passa de primeira na prova de residência - disse Sabrina com a voz tão doce que amargou a minha língua. - Mesmo aquelas que foram para uma universidade famosinha. Sabe, Bárbara, não acho que adianta muito você estar em uma universidade supostamente boa se não for uma boa aluna... Acho melhor estar em uma universidade nem tão boa, mas ser a melhor aluna. Como a gente, claro.

Eu respirei fundo. E de novo. E mais uma vez.

No nono ano, fui expulsa da sala de aula porque o professor falou que a esquerda era um bando de vagabundo que não queria trabalhar, apenas viver às custas dos outros. Minha reação não foi por maldade, mas instintiva. Com zero calma, eu ergui o braço (ele só aceitava que participássemos se erguêssemos a mão) e falei que ele era um burguesinho conservador, ignorante e medíocre. Eu também quis dizer que a aula de física que ele fingia dar era um lixo, mas Alice me puxou para baixo antes que eu pudesse continuar meu eloquente discurso.

Salvando MarianaOnde histórias criam vida. Descubra agora