Capítulo dezoito

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"Seria muito bom visitar vocês", foram minhas palavras exatas.

Eu não gostava de pensar em mim mesma como mentirosa. Na verdade, eu era bastante sincera, mas se dissesse a verdade naquele instante, não conseguiria segurar o soluço até desligar a ligação.

Porém, soluçar ao telefone com minha novíssima madrasta, "mas pode me chamar de Vivi", era a última coisa que eu faria.

Veja, ela parecia ser uma pessoa bem legal... ou o máximo que alguém pode ser legal pelo telefone. Vivi pediu desculpas pelo comportamento do meu pai quando ele disse "tem alguém com quem quero que você fale", sem aviso prévio, e me forçou a falar com sua nova namorada. Ela se apresentou e disse que estava ansiosa para me conhecer, disse que a família do meu pai era incrível, todos extremamente atenciosos, e que eu só podia ser um amor também. Ela me convidou para passar um final de semana com eles, assim que eu abrisse um espaço em minha agenda atolada de médica recém-formada.

"Seria muito bom visitar vocês"... no inferno, claro.

Porque o pior não era sua voz de alguém realmente legal, sem o sarcasmo ou a passivo-agressividade do meu pai. O pior era a forma como ela idolatrava meus avós, como ela dizia tantas coisas boas sobre eles, sobre jantares que tiveram, sobre a vez em que ela derrubou vinho na mesa de linho e tentou consertar, mas acabou manchando tudo. O pior era que ela achava que eu sabia quem eram aquelas pessoas.

Eu não sabia.

Mas eles não importavam.

"Você não ligue pra quem não liga pra você, monstrinho", repetiu meu avô inúmeras vezes quando eu perguntava sobre o outro lado da família. Ele tinha razão. Mas naquele momento eu só conseguia me perguntar o que eles viam de errado em mim.

Ah, eu sabia o que eles viam de errado!

Eles viam uma mulher adulta, formada, voltando de seu emprego relativamente estável, com a maquiagem borrada se desfazendo no rosto enquanto batia a cabeça contra o volante tentando entender o que estava acontecendo em sua vida. Era a terceira vez que eu chorava menos de um ano.

Não eram lágrimas rolando dos olhos ao final de um filme ou uma tristeza repentina. Era um choro sobrecarregado pelo mais profundo desespero, o qual me escapulia tão cru quanto seis anos atrás - o primeiro choro sem um mínimo de esperança em minha vida adulta.

Quando perfurei com bisturi a pele de um cadáver pela primeira vez, eu voltei de ônibus para casa. Durante toda viagem eu engoli o choro, pois tudo aquilo me parecia tão ilícito, tão real e tão errado ao mesmo tempo, que eu não sabia como conseguiria fazer aquilo outra vez, tampouco em uma pessoa viva. Pessoas eram frágeis demais, belas demais, sagradas. Quem eu achava que era profanando seu corpo, sua dignidade?

Mas não chorei ao chegar em casa. Minha mãe estava sentada na cozinha, encurvada sobre o computador com um livro aberto. Ela estava escrevendo um artigo sobre um de seus pacientes. Era um caso difícil, exaustão estampava seu rosto depois de várias semanas conversando com colegas e estudando possíveis causas e soluções, mesmo assim, ela ainda estava acordada, cumprindo o que acreditava ser seu objetivo na vida.

Salvando MarianaOnde histórias criam vida. Descubra agora