Um ano, onze meses e alguns dias depois
Por mais estranho e incomum que possa parecer, Alina gostava de andar em ônibus.
Ela gostava de sentar na última fila de bancos, na janela, e de encostar sua cabeça contra a mesma, apenas apreciando as ruas passarem diante dos seus olhos. Ela gostava mais ainda quando o celular estava com uma quantidade boa de bateria porque, dessa maneira, ela poderia colocar seus fones e a música embalaria todo o seu trajeto.
Alina gostava de ver as pessoas subindo e as pessoas descendo, gostava de pensar em como as vidas delas poderiam ser e gostava de imaginar histórias para elas algumas vezes. Ela gostava de como um ônibus poderia ser tudo além do que ele realmente era. Ele poderia ser um ponto de encontro, um ponto de desencontro e um ponto de partida.
Era como se ele fosse... Um recomeço.
Talvez fosse por isso que Alina gostasse assim tanto desses meios de transporte.
Perdida em seus devaneios, a garota não notou que estava quase chegando ao seu ponto e, por pouco, não o perdeu.
Uma pequena porção de pessoas desceu juntamente a ela e quando Alina teve a oportunidade de olhar para o relógio em seu pulso, descobriu que já estava atrasada. O que não era novidade, mas, mesmo assim, parecia uma. Suspirando levemente, ela começou a caminhar pela longa rua ansiando pelo seu destino.
Alina diminuiu o ritmo dos seus passos quando escutou o celular tocando dentro da mochila. E ela teria o deixado tocar e retornaria a ligação em outro momento, quando estivesse com mais tempo, mas quando o toque especifico do número de Eduardo alcançou seus ouvidos, Alina decidiu que chegar atrasada já era seu destino mesmo... Por que não o abraçar de vez, certo?
─ Oi, você.
─ Ei, você. ─ a voz de Eduardo nada parecia com a de Alina. Ele parecia totalmente acordado e disposto, enquanto ela, deveria ter a voz preguiçosa e arrastada ainda pelo sono. ─ Que milagre atender tão depressa, hein? Achei que ia estar dormindo há essa hora.
Ela desviou de um buraco e cumprimentou o senhor da banca de jornal que já a conhecia antes de responder a Eduardo.
─ Não tenho culpa se troquei o dia pela noite e você não. ─ Alina se defendeu como sempre, fazendo Eduardo rir. ─ Mas não tive aula ontem, e aí consegui ir dormir um pouco mais cedo e...
Eduardo sabia sobre as idas a psicóloga, Alina não escondia isso de ninguém.
Ela também não sentia vergonha alguma em assumir que ia as consultas três vezes ao mês. Era bem ao contrário, aliás. Alina era muito grata por ter todo esse apoio e oportunidade que seus pais lhe ofereceram. Ela sabia que apenas admitir e denunciar Ricardo não seriam o suficiente. Alina sempre soube que muito chão ainda a aguardava pela frente e que teria que ser paciente até conseguir superar tudo; até conseguir se reencontrar dentro de si novamente.
─ Estou indo para a minha consulta. ─ ela disse, por fim. Alina estava há algumas quadras da sua psicóloga e resolveu se apoiar em uma árvore, matando mais um pouco do seu tempo ali. ─ Mas, você sabe, o trânsito em Brasília é quase tão caótico quanto em São Paulo ou em qualquer lugar do Brasil. Vou chegar atrasada, com certeza ou claro?
─ Mas vai chegar. ─ ele disse, entre um gole e outro em seu café. ─ Já disse que tenho muito orgulho de você?
─ Você ainda não disse hoje. ─ Alina deixou que um sorriso tomasse conta dos seus lábios. ─ Eduardo...
Alina vinha trabalhando a cada dia que passava nessa sua parte em deixar que seus sentimentos criassem asas e alcançassem voo. Segundo Lua, ela havia tido uma melhora muito boa desde a última vez que elas se encontraram, em Lianas quando o acampamento fechou e apenas iria abrir no próximo ano.
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Os Desajustados | ✓
General FictionAlina jurou para si que nunca mais voltaria a colocar os pés dentro de Lianas, o famoso e velho acampamento que ela frequentava desde que era uma criança, mesmo que aquele fosse o seu último verão nele; voltar, depois do que aconteceu no ano passado...