Capítulo Um

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Mais um dia de trabalho havia terminado, e a moça de olhos redondos e cabelos longos estava pronta para voltar para o seu apartamento classe média onde apenas Magali, a gata, a esperava.

Seus dias eram assim, um tanto vazios. Ela era dona do próprio negócio aos 25 anos - um feito. No entanto ela não tinha com quem compartilhar suas conquistas. Sempre fora tímida, e as amigas da faculdade - que eram poucas - estavam sempre ocupadas com sua própria vida; assim como o resto do mundo.

Sua lanchonete é frequentada por todo tipo de pessoa. De jovens à idosos, de hippies à executivos, todos se rendem ao seu tempero maravilhoso. Ela se orgulha do que faz, e ama ver a felicidade das pessoas ao comer seus quitutes. Para ela cozinhar é mais que um trabalho, ela acredita que a comida tem o poder de levar felicidade às pessoas. Conceito criticado por sua mãe; "Anos e anos perdidos estudando administração, pra terminar com o umbigo no fogão" ela dizia. Aliás, ela não concordava com nada que Amora fazia, e sempre fazia questão de deixar isso bem claro.

Na caminhada para casa a moça observava as pessoas, os carros, as luzes da pequena cidade florida. Aquele ar bucólico preenchia os dias de Amora, e fazia seus belos e raros olhos violeta brilharem tanto a ponto de parecerem mesmo duas amoras - característica que dava sentido à seu nome. Seu pensamento flutuava junto às folhas levadas pelo vento, e ela se deixava levar por aquel ar romântico, quando a bolha que abrigava seu mundo particular foi estourada pelo toque do telefone.

  - Oi mãe. - atendeu Amora, sem nenhuma vontade.

  - Credo, Amora, que voz é essa? Parece até que não gosta quando eu ligo. - Amora chutou uma pedrinha no chão, constrangida por ter sido pega em flagrante.

  - Não é isso, mãe. - disfarçou - Só tô cansada. Deu bastante movimento na lanchonete hoje.

  - Já te disse pra desistir desse botequim. Seu lugar é atrás de uma mesa, numa sala chique com ar condicionado. - disse a senhora, pela milionésima vez - Por isso ninguém te quer. Vive fedendo à fritura, com essas roupas sem graça, esse cabelo enorme. Parece um andarilho.

  - A senhora me ligou só pra criticar minha vida, ou quer mais alguma coisa? - disse a moça, impaciente.

  - Eu não guardo dinheiro, vou guardar opinião?! - respondeu ironicamente dona Sofia - Mas te liguei por outro motivo. Quero que você venha jantar aqui em casa no sábado, quero te apresentar uma pessoa.

  - Mais um de seus namorados, mamãe? - disse, revirando os olhos - é o segundo esse ano, e ainda estamos em junho!

  - Vai vir ou não? - dona Sofia ignorou o comentário.

  - Tá bom, mãe. Eu vou! - respondeu, arrependendo-se no segundo seguinte. Esse jantares eram sempre uma grande cilada.

  - Ótimo. - respondeu em tom ríspido - Tente usar um vestido pra variar, e faça uma escova nessa juba pra não chegar aqui parecendo a Maria Betânia.

  - Uma grande cantora por sinal, mamãe. Pare de implicar com meu cabelo. - Amora retrucou.

  - Bom, era só isso. Te espero às 20h. Não se atrase! - e desligou.

  - Também te amo. - disse a moça pra ninguém.

E então seu estado de espírito foi transformado novamente, e como sempre, por sua mãe louca. Agora ela já não reparava mais na beleza da noite, mas pensava fixamente no que iria vestir para não enfrentar mais uma crítica em público nesse jantar cilada do qual não teria como escapar.

***********

Sábado. Já era sábado!

A semana voou, a lanchonete bombou, e Amora mal teve tempo de pensar no bendito jantar. Ela não conseguiu fazer o cabelo, as unhas, e mal sabia o que vestir! Os clientes pareciam especialmente preguiçosos naquele sábado, e como ela viu que não teria outro jeito, deixou a lanchonete nas mãos de sua única funcionária, Fabi, para não se atrasar - tanto - para o tal jantar.

  - Boa sorte lá. - disse Fabi, enquanto Amora corria em direção à porta. - Amora, você tá de avental e touca! - gritou a moça, mas já era tarde; sua patroa já tinha saído da loja.

18h45.

  - Droga, droga, droga! - praguejava enquanto corria.

Não havia tempo para analisar os casais felizes, nem mesmo para admirar a beleza e o perfume das rosas - cartão postal da cidade. Ela cruzou a pequena praça feito um furacão, atravessou a rua, cortou caminho pelo beco que ligava as duas ruas e entrou em seu prédio classe média de 5 andares. Cumprimentou André, o porteiro, enquanto corria para o elevador.

  - Dona Amora, o avental! - André gritou, mas ela só ouviu "vental" e ficou pensando naquela palavra sem sentido enquanto abria a porta do elevador.

  - Vental? - sussurrou - Que raio será isso que André falou? - continuou a falar.

  - Acho que André quis dizer avental. - Amora se assustou com aquela voz, não havia notado outra pessoa ali - E touca também. - concluiu a voz em tom divertido.

  - Meu Deus! - disse a moça, ficando vermelha feito um pimentão, enquanto finalmente se dava conta de ter feito todo o percurso de touca e avental.

  - Não se preocupe, essa cor lhe cai bem! - disse o rapaz, fazendo finalmente Amora olhar pra cima e deparar-se com um homem alto, de pele negra e belíssimos olhos castanhos.

  - Obrigada! - respondeu timidamente, o que fez com que aquele rapaz desconhecido mostrasse o sorriso mais branco que Amora já viu na vida - Eu... eu preciso subir. Estou atrasada.

  - Oh, me desculpe. - disse o rapaz, saindo do elevador, e segurando a porta para que ela entrasse - Boa noite! - disse sorrindo enquanto fechava a porta.

E lá estava ela: coração acelerando, mãos suadas, boca seca... e aquele sorriso pairando em sua mente. Mas o terceiro andar chegou rápido demais, e a realidade a fez voltar para sua pequena maratona.

Ela estava tão confusa que por pouco não tentou abrir a porta errada!

  - Essa noite vai ser boa! - ironizou, enquanto abria a porta de seu apartamento.

Atabalhoada, entrou e foi deixando um rastro de roupas, bolsa, avental, a caminho do banho.

  - Ai droga! - exclamou ao olhar para as pernas - Não vai dar tempo de depilar! - e tomou um baho relâmpago, esforçando-se para tirar o tal cheiro de fritura do qual sua mãe sempre reclama.

  - Um vestido longo... um vestido longo... - repetia, quase como um mantra, enquanto vasculhava seu guarda roupa - Ah, esse aqui vai servir! - exclamou, tirando um vestido estampado floral do armário. Calçou sandálias baixas - na verdade as primeiras que encontrou pela frente.

  - E esse cabelo? - perguntou ao espelho que tinha na parte interna da porta do guarda roupa, mexendo as longas madeixas onduladas, fazendo um coque meio bagunçado - Hum... Acho que assim tá bom! Aí eu ponho um brinquinho, um batom, e tá perfeito!

E então lá estava ela, atrasada, em frente a porta de sua mãe, se perguntando se devia mesmo tocar a campainha.

●•●

Então.. parece que a vida da nossa Amora não é nada fácil não é mesmo?

Mas, quem será o dono desse sorriso que ficou pairando na mente da nossa protagonista?
Espero vocês pra descobrir comigo!!!

AmoraOnde histórias criam vida. Descubra agora