Amora voltou para casa caminhando, como de costume; andar pelas ruas de Vale das Flores era sempre um prazer. A cada passo ela se deliciava com a brisa noturna costumeira, e pensava mais uma vez na conversa que tivera com dona Sophia. Pensou nos olhos tristes de sua mãe, na vulnerabilidade nunca antes vista, e no amor escancarado que ainda doía no coração dela. "Deve mesmo doer amar tanto alguém que já se foi" pensou, "uma espécie de prisão".
Era certo que agora as coisas entre elas mudassem. Amora sentia seu coração mais leve, mesmo consciente de todas as loucuras de sua mãe. Uma semente de paz tinha sido plantada, e os frutos viriam.
Mas a questão levantada em seu sonho ainda a perturbava. Elas sentia que era algo importante, uma lembrança valiosa. Mas, como faria para se lembrar? Não havia fotos ou vídeos que lhe refrescassem a memória - dona Sophia se desfez de quase tudo. " Lembranças dolorosas demais" ela dissera certa vez. O jeito então era esperar por mais um sonho.Apesar de em paz, o dia tinha sido cansativo. É impressionante o quão cansativa pode ser uma simples conversa. Bom, nem tão simples assim, é verdade, mas Amora teria o encontro com Tiago no dia seguinte, e então relaxaria um pouco.
Como o dia todo tinha sido extremamente incomum, a moça resolveu acrescentar uma trilha sonora à sua caminhada. Talvez a doce voz de Adam Levine ajudasse a dissolver os nós que se formaram em seus ombros durante aquela conversa.
O balançar das arvores embalados pela brisa suave, juntamente à trilha sonora escolhida, transformaram a volta para casa em uma espécie de musical; um Dançando na Chuva sem chuva, e sem dança, mas com o mesmo espírito de leveza! Essa beleza toda encontrada no balanço das folhas, nas luzes da cidade, e nas flores, talvez existisse apenas para Amora, resultado de seu amor pelo lugar onde vivia, porque afinal, Amora era cheia de amor! E foi assim, cantarolando e dançando por dentro que ela chegou à praça que antecede seu prédio. Passou por sua lanchonete e lançou-um olhar maternal, respirou fundo e caminhou em direção à sua casa. Como de costume apreciou as flores, as luzes, e...
- Opa! - exclamou, parando repentinamente próximo à um dos bancos da pequena praça. - A senhora... A senhora... Ai meu Deus, eu morri?
- Morreu? - disse uma a senhora, chacoalhando de tanto rir.
- Como... Como? - Amora gaguejava sem parar. - A senhora... A senhora existe?
- Ora, mas é claro que existo! - respondeu a senhora de cabelos cinzentos, e vestes tão brancas que pareciam brilhar. - Acalme-se, criança, você já me viu antes!
- Sim, já vi. - respondeu a moça, parecendo calma - NUM SONHO! - gritou, por fim - Como você veio parar no banco da praça?
- Criança, eu só venho quando você chama! - disse a senhora com voz amorosa - Agora tire essas coisas dos ouvidos, elas estão embaralhando nossos pensamentos.
- Nossos? - sussurrou Amora, confusa.
- Sente-se, criança!
- A senhora poderia parar de me chamar de criança?! Se você é fruto da minha imaginação, temos a mesma idade! - concluiu Amora.
- Pode até ser, mas eu sei coisas. Eu sei tudo. Isso faz de mim mais experiente. Por isso esses cabelos grisalhos! - explicou a senhora.
- OK! Não vou perder tempo com essa discussão boba que não vai dar em nada. Me diga porque está aqui, e vamos resolver as questões do dia; eu preciso dormir! - disse a moça, decidida.
- Está bem, crian... Amora! - corrigiu-se a tempo. - Sua mãe. A conversa de hoje. As coisas que ela não te contou. É sobre isso que vim falar!
- Então ela esconde algo? - questionou, com o coração frustrado por talvez ter sido enganada por sua mãe outra vez.
- Não exatamente! - respondeu - Nem todos os momentos que você passou ao lado do seu pai tiveram sua mãe como testemunha. Você tem que pensar nisso! Talvez só você saiba o que é. Talvez tenha sido algo apenas entre vocês dois, e ninguém mais!
- Oh, é verdade! Como eu não pensei nisso antes? - dizia ela, encarando os próprios pés cansados - Acho que a cisma com mamãe é tão grande que acabo transferindo a culpa de todas as minhas frustrações pra ela. Mas a senho... Ué, cadê você? - chamou Amora quando percebeu que estava falando sozinha sentada no banco da praça. - Bom, pelo menos ninguém viu isso! - sussurrou aliviada, quando percebeu que só tinha ela na rua. Ela então se levantou, colocou de volta os fones no ouvido, e deu play.
BEEP-BEEP-BEEP-BEEP... "Ué, cadê a música?" ela pensou. E então sentiu que algo sob suas mãos, e sob seu tronco, e pernas. Era o colchão. Ela então abriu os olhos. Era dia, e o play a levara direto para a manhã do dia seguinte. BEEP-BEEP-BEEP-BEEP...
- Cala a boca! - gemeu as palavras e esticou-se toda para desligar o despertador, e BUM, caiu da cama. - O dia já começou bem! - reclamou, e se levantou esfregando os joelhos.
Amora sobreviveu ao banho, enrolou os cabelos longos num coque desarrumado, vestiu a primeira camiseta que viu pela frente, entrou em seus jeans mais confortáveis, calçou os chinelos, colocou seus super óculos quase-máscara-de-isqui e saiu para enfrentar o dia nebulosamente ensolarado que a esperava.
- Bom dia, porteiro! - disse ela, carinhosamente, debruçando sobre o balcão da portaria.
- Bom dia, senhorita! - respondeu André alegremente - Anotou a placa?
- Ha ha! - respondeu Amora, tentando ser mal humorada, mas rindo logo em seguida. Havia algo em André que a acalmava.
- Se precisar de ajuda pra registrar o B.O. pode contar comigo! - disse o rapaz, solidário.
- Obrigada, amigo! Preciso mesmo é de sorte, porque o dia tá de lascar!
- Mas você acabou de sair da cama! - exclamou André, confuso.
- Pra você ver, porteiro. Pra você ver! - disse ela enquanto caminhava em direção à um dia totalmente imprevisível!
***
Amores da minha vida, voltei! Perdoem o sumiço. Três empregos e algumas crises de ansiedade detonaram minha mente por um tempo, mas eu tô de volta!
E Amora está mais confusa que nunca, então, vamos iluminar o céu da nossa heroína com muitas estrelinhas e muitos comentários!
Fiquem com Deus. Até a próxima (e que ela não demore)!
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Amora
Literatura FemininaCabelos longos, olhos redondos, um enorme coração, e um péssimo gosto para homens! Amora tenta se dar bem no amor, mas sempre mete os pés pelas mãos. Será que ela vai encontrar o amor verdadeiro? De repente, com uma ajudinha dos céus ela consiga en...