Capítulo Seis

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Mais tarde naquele mesmo dia, quando Amora já estava fechando a lanchonete, a noite caía bonita e o céu estrelado arrancou um pequeno sorriso das feições tristes. Aquele céu, aquelas flores sob a luz da lua, aquela brisa leve, a cidade que ela amava!

O clima estava pedindo uma caminhada lenta, com direito a observar as crianças brincando no parque, casais de mãos dadas, idosos se exercitando, um cenário de vida. A cada passo ela sentia a tristeza diminuir, e as palavras duras que ouviu da mãe serem levadas pelo vento, dando lugar aos sorrisos das crianças, o amor dos amantes, e a calma dos idosos. Quando chegou ao prédio ela já se sentia em paz.

- Boa noite sr Otávio. André tá de folga hoje, não é?

- Sim, minha jovem. Como foi seu dia? - perguntou o porteiro que revezava com André.

- Foi... - ela hesitou - Foi bom! - concluiu, sorrindo de forma diplomática - Agora é a hora do descanso!

- Muito bem, minha filha! - disse sorrindo - Bom descanso!

- Obrigada sr Otávio. Bom trabalho pro senhor!

Era estranho chegar e não ver André na portaria! Na verdade era tão raro que Amora nem se lembrava da última vez em que isso tinha acontecido. Se ele estivesse ali ela poderia levar um café, e conversar sobre o dia de ambos, desabafar, ou ouvir uma das histórias que o rapaz gostava de contar e que sempre terminavam em crises de riso. André era um grande amigo!

Já em casa ela pensou em Tiago, e no que tinha acontecido aquela manhã. Teve vontade de ligar, e então se lembrou de que não tinha o número. Pensou em ir até o apartamento dele, mas achou precipitado. Resolveu ficar em casa mesmo, e aproveitou para descansar.

Em dois dias sua vida tinha dado um loop de 180°. Mas era sempre assim, de tempos em tempos as coisas ficavam complicadas para a moça, e sempre doía no final. Ela sempre dava um jeito de se reerguer, mas ficava menos otimista a cada decepção. Mas também, como não ficar? Desde a adolescência sua vida é um resumo de experiências estranhas - pra dizer o mínimo. Quando não era um namorado, era sua mãe nada discreta.

O sono logo chegou, e mal foi encostar a cabeça no travesseiro, Amora já dormia profundo. De repente, lá pelas tantas da madrugada ela ouviu uma voz. Era uma voz feminina que vinha ali mesmo de seu quarto. Ela então acordou, acendeu a luz da luminária em sua mesa de cabeceira, e avistou num canto, sentada na cadeira de sua escrivaninha, uma senhora com um terninho branco muito fino, pele morena, e cabelos de um grafite iluminado. Diante do susto deu um pulo, e se sentou na cama.

- De onde a senhora veio? - quis saber.

- Calma, querida, isso é apenas um sonho. - respondeu a senhora, com toda paciência.

- Ah... - disse Amora, confusa, mas relaxada - um... sonho?

- Sim, querida, um sonho! Daqui a pouco você acorda, e vai ficar tudo bem. - explicou a senhora - Vim para conversarmos um pouco.

- Veio.. veio de onde? - a confusão tomava a mente da moça. Ela nunca tinha conversado com ninguém em sonho, pelo menos não de forma tão real.

- Isso não importa, querida. Nosso assunto é mais importante!

- Qual seria esse assunto, então?

- Amor, querida! - disse a senhora, num sorriso - Bem, sua relação com o amor, quero dizer!

- Foi minha mãe que te mandou aqui? - perguntou Amora, ainda mais assustada - Será que nem nos meus sonhos ela me deixa em paz?

- Sua mãe? - disse a senhora, e gargalhou por um bom tempo, enquanto Amora apenas observava, perplexa - Não, querida. Sua mãe não tem nada com a minha vinda. Vim porque é meu trabalho.

- Seu... trabalho? Com o que você trabalha?

- Anjo da guarda, fada madrinha, depende do que você acredita!

- Mas eu não acredito em nenhum dos dois. - respondeu envergonhada.

- Nesse caso, sou sua consciência.
- Minha consciência tem 70 anos? - disse, e logo cobriu a boca com as mãos, se arrependendo do que tinha dito - Eu não quis dizer isso. Não quis... te chamar de... velha. - concluiu, desejando se esconder embaixo da cama de tanta vergonha.

- Não se preocupe com isso. - disse a senhora, divertindo-se com o rubor da moça - Eu apenas vim numa forma que te deixasse mais confortável. Mas, estamos perdendo tempo aqui, mocinha, temos assuntos mais importantes que a minha suposta idade para tratar.

- Me desculpe. Prometo não interromper mais. - disse Amora, se ajeitando na cama como que para ouvir uma história.

- Permita-me te levar numa viagem.

E de repente uma luz invadiu o quarto, e tomou conta de cada espaço. A cortina tremulava com um vento que vinha não se sabe de onde, e as paredes começaram a mudar. O quarto atual de Amora não mais existia. Móveis diferentes tomavam seu lugar num quarto diferente. Uma cama pequena, com cobertor rosa, e bonecas deitadas no travesseiro, um guarda roupa branco, com arabescos, e uma penteadeira parecida. Ao lado da cama uma mesinha com uma luminária rosa, com pequenas flores. O piso era de madeira, e à porta estava uma menininha bem miúda, com seu pijama de ursinhos, espiando alguma coisa lá fora. Amora foi em direção à porta para ver o que era, e prendeu a respiração tamanha surpresa.

- Pai? - ela sussurou para ninguém.

- Sim, querida. - respondeu a senhora. Amora quase tinha se esquecido da presença dela ali.

- Nós estamos mesmo aqui?

- Sim, querida. Voltamos vinte anos. Há uma coisa importante que você precisa se lembrar!

●•●
Mas... o que está acontecendo, gente???? Viagem no tempo? É isso mesmo, Brasil?

Hum.. tô achando que o próximo capítulo será de revelações bombásticas!

Até lá.

AmoraOnde histórias criam vida. Descubra agora