Acordei meia hora antes de o despertador tocar. Fui pra o banho e quando saí Lucy já estava de pé na porta do meu quarto com cara de quem também não tinha passado a noite nada bem.
- Precisamos conversar - ela falou com tanta tristeza que eu não tive como impedir os olhos de encherem d'água. Fui em direção a minha cama e bati a palma da mão no colchão convidando-a:
- Senta aqui.
Eu não sabia como começar aquela conversa, mas já tinha decidido que eu não lhe contaria sobre minha invasão a recepção do curso dela, não aquele dia. Segurei suas mãozinhas aflitas e disse calmamente:
- Lucy, você é a mulher mais especial que eu conheço. É minha única irmã. Minha melhor amiga. Meu orgulho. MEU PEDACINHO DE CÉU. Seu jeito de levar a vida sempre em alto astral me encanta. Anima-me até mesmo quando estou nos piores dias. Aquelas garotas, no entanto, fazem parte de uma classe social muito diferente da nossa, de um grupo muito reservado da sociedade carioca. Elas são adoradas por onde vão porque as pessoas valorizam mais o ter do que o ser, caso contrário perceberiam que elas olham e tratam todos como se fossem seus brinquedos; bichinhos pra diversão. Ver você na companhia delas ontem foi assustador porque não consegui entender o motivo de elas terem deixado você entrar. Isso nunca acontece e eu me preocupo. Sou assim e com você eu vou ser sempre assim.
Luciana ouviu tudo bem atenta, mas seus olhinhos demonstravam uma tristeza tamanha que não pude fazer outra coisa a não ser abraça-la e deixa-la protegidinha assim no meu colo enquanto a ouvia:
- Ceci eu entendo tudo que me disse, mas não entendo porque lidou comigo daquela forma. Não podia simplesmente falar como fez agora? Precisava aquela cena? E apesar de tudo que você pensa e sente a respeito delas, o fato é que tendo entrado ou não, nós fomos selecionadas pra ficar no mesmo grupo de uma peça que deve ser apresentada no final do ano (eu e elas). Veteranos e calouros foram misturados e gostando ou não eu preciso fazer isso com as quatro se não quiser ser reprovada nessa matéria.
- Trabalho? Juntas? Isso não está ajudando. Luciana eu não gosto dessa proximidade, mas te conheço melhor do que ninguém e sei o quanto pode ser encantadora então não estranharia se elas estivessem realmente aceitando você sem nenhuma intenção maligna por trás disso. O que eu não aceito é que você se transforme naquela pessoa sem escrúpulos e interesseira que eu vi ontem de manhã. Oque aconteceu Lu? Você nunca quis ninguém por interesse. Você não é assim, então PORQUE AGORA?
Minha irmã deixou uma lágrima cair e sem tentar evitar eu a abracei ternamente, mais forte do que antes, balançando seu corpo enquanto lhe beijava na cabeça exatamente como fazia sempre que ela parecia triste ou assustada, desde que ela era criança e sentia medo da chuva ou do escuro.
Aquelas garotas podiam me roubar o sossego, a concentração e até a sanidade, mas não tirariam minha irmã doce, humilde e alto astral de mim.
- Vai pro banho antes que a gente se atrase. Continuamos essa conversa depois está bem? - Falei com sinceridade e ternura pra que ela soubesse que ainda podia contar comigo e que nada nos afastaria.
Lucy ficou no meu colo por mais alguns minutos chorando em silêncio. Brigar com ela era uma experiência horrível que eu pretendia não reviver nunca mais.
***
Já no caminho para a faculdade nenhuma das duas abriu a boca dentro do táxi. Estávamos bem, mas algo em nós ainda não havia superado aquela discussão do dia anterior.
Chegando no campus eu vi Olivia se aproximar e me despedi de Lucy pra ir ao seu encontro, mas ela segurou na minha mão antes que eu saísse, falando com palavras realmente cheias de dor:
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Apaixonada por Ela
RomansaSe assumir a homossexualidade hoje em dia ainda é algo bem difícil de fazer, assumir a bissexualidade é uma tarefa tão difícil quanto. Cecília era uma garota humilde tentando concluir a graduação em medicina e prestes a iniciar um noivado com aquel...