"Talvez o seu maior inimigo não esteja atrás das árvores."
- Foi você - disse olhando para o garoto que ainda estava acariciando minha cadelinha, com lágrimas nos olhos, me esforçando para não deixar elas caírem.
- O que?
- Foi você - repeti mais para mim mesma do que pra ele.
- Fui eu o que? - perguntou me olhando como se eu fosse maluca.
- Foi você que matou o Daniel não foi?
- Ok, se acalma. Você faz ideia do que está falando? - falou se aproximando de mim, Floquinho pelo contrário, ficou onde estava só observando.
- Sim, eu sei exatamente o que estou falando. Eu pensei bastante, e não quero acreditar que seja verdade, mas faz muito sentido ter sido você. - disse de uma vez só, sem parar para respirar.
- Porque?
- Eu comecei a sonhar com você no dia seguinte à morte de Daniel, pode ter sido um aviso. - comecei, organizando meus pensamentos - Patrícia falou alguma coisa sobre isso, perguntou se eu não achava estranho ter começado a sonhar com você logo depois que Daniel morreu, disse que eu estava mentindo ao dizer que não sabia do que ela estava falando, que eu tinha que saber o que significava. E ontem de manhã, quando eu te perguntei sobre isso, você desviou do assunto! Você não quis responder. O que mostra claramente que está escondendo alguma coisa sobre o assunto.
- Uhum. Ótimo raciocínio. Mas não acha que isso é um pouco exagerado? Quer dizer, você não confia em mim?
- Não. Não confio.
Também não é como se você tivesse me dado alguma razão para confiar em você.
- Justo.
- Você não negou. - falei o que estava me incomodando.
- Nem confirmei.
- Que droga. Para com isso de dar respostas evasivas, deixe de ser covarde e responde logo! Foi você?
Falei aquilo com uma força que não sabia de onde tinha tirado, na verdade não queria saber a resposta. Mas a dúvida me doía muito. Queria sair de perto dele, mas havia sonhado por tanto tempo em ficar perto daquele garoto que não tinha coragem. Que hipócrita. Chamo ele de covarde e estou fazendo a maior covardia da minha vida, estou ficando ali com ele. Bom, em nenhum momento eu disse que era corajosa. Ele suspirou, sentou-se ao meu lado e fechou os olhos. Quando abrio-os olhou diretamente nos meus olhos, e eu já estava vendo o "Não" desenhado em sua boca, um sentimento de alívio estava começando a me tomar.
- Foi.
Senti as lágrimas, até então contidas, rolarem pelo meu rosto. Não solucei, não gritei, não bati nele, não fiz nada. Só fiquei parada sentindo meu rosto molhar, o gosto salgado das lágrimas na minha boca, a dor do corte no joelho direito, o sono, sentindo tudo, e ao mesmo tempo nada, enquanto olhava para o meu sonho, meu anjo da guarda, meu guia. O assassino do amor da minha vida.
Não lembro detalhadamente o que aconteceu depois disso. Acho que fiquei por mais ou menos uma hora sentada lá, olhando para Jonathan sem acreditar que aquilo era verdade. Esperando que a qualquer momento ele me olhasse com raiva e dissesse que estava desapontado por eu ter acreditado nele, que ele teria feito aquilo. Mas isso não aconteceu.
Doía. Muito. Eu havia confiado nele, mas também, como poderia não confiar? Ele era meu anjo da guarda, era para ser meu porto seguro, aquele que me protegeria. Que droga, eu sei que sou azarada, mas nesse ponto? Até meu anjo da guarda era mentiroso, e do mal.
- Por isso você foi expulso. - sussurrei depois de horas.
- Aham. - ele nem se deu ao trabalho de me olhar, não que aquilo fosse um problema, não queria ver a cara dele. E estava me arrependendo por ter escolhido ficar, deveria ter corrido para longe enquanto podia.
- Eu quero ir embora.
- A porta ta ali. Mas eu acho que você já sabe disso, certo? - o sorrisinho irônico estampado na cara do garoto só provava meu ponto, ele não estava nem aí para o que estava acontecendo, e ainda estava se divertindo com a situação.
- Eu quero que me leve até Alse, pelo o jeito ela é a única que sabe como me mandar pra casa. E eu não quero mais ficar perto de você.
- Você entendeu que ela é inimiga? - disse ele.
- Eu entendi que ela é sua inimiga. - falei enquanto aproveitava a força repentina para me levantar e sair de perto daquela coisa - E sabe como dizem, inimigo do meu inimigo é meu amigo.
- Como você disse, ela é minha inimiga, então porque eu levaria você?
- Por que você mesmo disse que o seu dever é me ajudar, e até agora você tem cumprido isso. Acho que ao menos a dignidade, de fingir que ainda faz seu trabalho você deve tentar ter, certo? - disse torcendo para que desse certo.
- Ok, eu levo você. Mas não por você, por mim, que não aguento mais ficar cuidando de você. - riu - E só vou amanhã de manhã, hoje eu quero descansar, obrigado.
O garoto se deitou no chão e eu sai da cabana, não aguentava mais ficar no mesmo lugar que ele. Ao sair da cabana fui pega pelo ar gelado da noite, o tempo lá era muito rápido, me perdia tão fácil, mas era bom, fazia tudo aquilo parecer tão insignificante. Já fazia dias que eu estava lá e pareciam horas, eu havia comido poucas vezes, umas duas mais ou menos, e não sentia a mínima fome, o que era algo a se surpreender.
Estava muito frio, eu via isso pela cachorrinha que tremia deitada no meu colo, mas eu não estava sentindo frio, na verdade aquele vento estava me sendo muito refrescante. Acho que depois de congelar tanto meu coração finalmente havia me tornado mais fria do que o próprio frio.
Floquinho dormiu alguns minutos depois, e eu fui pega pelo sono logo depois. No outro dia eu acordaria pelos latidos de uma bola de pelos branca, e iria passar o resto do dia andando, em direção a que? A Alse a princípio. Mas eu encontraria muitas coisas no caminho, coisas que eu nem poderia imaginar.
O sonho que tive foi a pior lembrança que poderia vir naquele momento. Nada mais, nada menos do que o primeiro de todos os sonhos.
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No próximo capítulo: Desculpa gente, surpresa :)
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Clouds
FantasyClarisse tem dezessete anos, e como toda adolescente da sua idade, tem problemas. Seus pais não aceitam seu novo jeito de ser e seus amigos não parecem entende-la mais. Depois de passar por uma grande perda ela começa a ter sonhos, um lugar onde ela...