Fugindo do Impossível

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Caos nas ruas. Prédios em chamas, os poucos que ficaram de pé, com os muros pichados com frases do tipo "Death to the Young", ou "morte aos jovens", e a provocação rebatida, "Power to the Young", ou "poder aos jovens". Adolescentes de no máximo 15 anos e jovens de no mínimo 20 se escondendo feito loucos, andando pelas ruas na surdina, tentando salvar suas vidas. Militares fortemente armados fazendo rondas e patrulhas pela cidade inteira, talvez pelo estado, pelo mundo, não sei. Faz um tempo que não vejo TV e só sei das notícias pelos jornais que pego voando de vez em quando enquanto corro.

Nem sempre foi assim. Há menos de um ano, nós podíamos andar livremente pelas ruas. O céu era azul e não cinzento como é hoje. Os militares fortemente armados se resumiam a alguns guardinhas de trânsito, e pouquíssimos e raríssimos oficiais da polícia. Nossa cidade sempre foi pequena e pacífica, então incidentes que fossem contra a lei eram raros. Tão raros que nossa cidade levava o nome de Utopic City. Isso depois de um acontecimento onde desentendimentos e desacordos entre nosso prefeito e os moradores foram resolvidos numa assembleia, em praça pública, sem tumulto, algazarra ou brigas. Pelo que meus avós diziam, foi realmente algo utópico demais pra ser verdade e merecíamos o título de cidade utópica.

Tínhamos escolas de ensino infantil, fundamental e médio. Pra frequentar à faculdade eram necessárias algumas horas de viagem, o que nos fazia pensar em arranjar um dormitório na faculdade mesmo ou alugar um apartamento na cidade onde a instituição se localizava. Tínhamos mercadinho e supermercado. Tínhamos muitas casas e alguns prédios. Amávamos essa história de sermos a cidade utópica.

Até o dia em que o novo presidente do país foi eleito. Seu nome era Jacob Stone. Ele vinha com propostas ótimas: reformas nas estradas intermunicipais e interestaduais; reformas para fazer a economia saltar e o desemprego quase sumir; aumento do policiamento nas ruas nas cidades mais movimentadas.... Uma maravilha. Porém, ele parecia não se dar conta de que as minorias existem. Os tratava com indiferença sem igual, como se não fossem humanos, como se não tivessem sentimentos e necessidades. Venceu o candidato do outro partido por uma diferença massacrante nos votos. Eu, particularmente, não votei nele.

Nos primeiros dias de governo, ele cumpriu com o que disse. Reformou as estradas, a economia deu um pulo, o desemprego foi quase embora. Sempre que aparecia nas ruas, o povo enlouquecia. O chamavam de "O Salvador". Aparecia dando um sorriso cínico, mas satisfeito, como se sentisse o Salvador mesmo. Ao mesmo tempo, parecia planejar algo, algo muito bem escondido que nem seus assessores poderiam saber o que era.

Eu não queria descobrir o que era.

Em um belo dia da primavera, o "presidente Stone", como era chamado, fez um pronunciamento inesperado. O jornalismo enlouqueceu e as emissoras quase saíram no tapa pra ver quem transmitia primeiro. A internet também parou devido aos inúmeros acessos.

"Caros amigos e cidadãos de meu país, boa noite. Eu, como presidente do seu país, eleito por vocês, pelo meu povo, pelos meus eleitores....."

Ele foi repetitivo e enrolando até o último minuto pra dizer o que era.

"... Como presidente de vocês, eu prezo pelo bem-estar do nosso país e de nossos cidadãos. Por esse motivo, eu agora decreto uma lei que diz respeito a todos os jovens de 13 a 25 anos.
Analisando com os economistas mais experientes do mercado, descobrimos que os maiores gastos do nosso país são com os jovens. Sejam eles com ensino, sejam com os estragos feitos por alguns nas ruas, com prisões, e etc. Por esse motivo, nos reunimos, decidimos, fizemos um plebiscito, onde 69% da população aprovou esse projeto de lei. Tudo se encaminhou e hoje é realidade. Quando eu terminar esse pronunciamento, todos — eu disse TODOS os jovens nessa faixa de idade devem se encaminhar aos departamentos de polícia de sua cidade, para que possam ser encaminhados até um instituto onde, ali, irão trabalhar para o governo, no intuito de devolver a nós o dinheiro que gastamos com vocês. Arrumem suas coisas e vão - o país precisa de vocês. Obrigado e boa noite."

Underneath - Abaixo de TudoOnde histórias criam vida. Descubra agora