Fui atrás de Maria, tentando entender o porquê daquela fúria toda com Emily, se tudo havia corrido conforme nosso plano, além de estarmos num lugar infinitas vezes melhor do que o cubículo em que vivíamos (coias que, na minha cabeça, melhora até o clima de opressão que traremos lá de cima.).
— Ei, ei! — Tentei encosar em seu braço, mas ela se esquivou. — Maria, o que houve?
Ela continuou andando, parou em frente a um dos beliches e o socou. Com. Toda. A Força. Seu rosto pingava em lágrimas, mas sua expressão emanava fúria, como se a qualquer momento fosse sair do controle e explodir.
Passou uns quinze segundos parada, olhando pra beliche quebrada com a forma de seu punho, mas se acalmou. Todos olhávamos pra ela, atônitos, sem saber o que fazer. Aos poucos sua respiração foi voltando ao normal, e ela levantou a cabeça. Se virou e, ao ver que todos estávamos olhando pra ela, correu em direção à porta sanfonada.
Eu ameacei ir atrás dela, mas Thompson pôs a mão em meu peito, me impedindo.
— Não. Eu vou lá.
Ao abrir a porta sanfonada, vimos uma Maria se debulhando em lágrimas.
— Você quer me contar o que houve? — Thompson disse, com um tom de voz calmo, sentando-se no chão de concreto.
— Não sei. Não sei se você confia em mim, então não sei se posso confiar em você.
— Como assim, não sa-
— Você sabe qual foi a última frase que minha mãe disse pra mim em seu leito de morte?
Ali eu já sabia do que se tratava, pois já a ouvi contar essa história.
— No confie en nadie. — Ela disse entre os dentes e eu balbuciei as palavras conforme ela falava. — Não confie em ninguém.
Emily, bem como todos na "sala", engoliram a seco.
— Ela me disse isso em seu leito de morte, logo após mais uma das surras do meu pai. Felizmente, a última. Depois daquilo ali, eu prometi a ela que não me permitiria cegar pela confiança que tenho em alguém. O efeito colateral que veio é que eu tenho MUITA dificuldade em confiar em alguém.
Sal, incapaz de se comover com algo — ou ao menos demonstrar –, interrompeu um clima com um comentário.
— E como é que você confia na gente?
— O primeiro a quebrar esse muro está bem aqui parado. O James. E ele quebrou porque é um ser humano incrível.
Senti meu rosto esquentar de vergonha.
— A segunda pessoa foi você, Emily. E sabe por qual motivo? Pelo mesmo. Você é uma pessoa incrível. Todos vocês aqui nessa sala são seres incríveis e, portanto, quebraram essa barreira, que já andava fragilizada por conta da situação toda em que nos encontramos. — Nesse momento, Maria virou a atenção para Thompson. — Mas quando eu ouvi o que até então soava como uma invasão na nossa comunicação, num plano onde eu estava 100% focada, e saber que era a minha superior – aliás, minha amiga – para uma "surpresa"?
Emily deu um sorriso sarcástico.
— Então você me repreende por ter arranjado este lugar?
— Não, Emily, e sinto muito que você tenha interpretado dessa forma. Te repreendo, mais uma vez, como amiga, por dizer que eu não poderia ter nenhuma distração — Maria disse apontando pra mim. — durante a missão. Te repreendo porque, se tivesse confiado a nós essa informação, poderíamos dormir mais tranquilos sabendo que em breve um lugar melhor nos esperaria. Entendo que tenha sido com a melhor das intenções, e também vou entender se absolutamente ninguém concordar comigo. Mas, ainda assim, encostou num lugar do meu passado que eu não gostaria de lembrar agora.
Maria se direcionou a um dos beliches e deitou na cama de baixo. Ficou olhando para o forro da outra cama, ou olhando pro nada, com uma expressão séria. Ficou claro que não queria conversar com ninguém – nem comigo.
O clima naquele dia ficou pesado. Ninguém deu muita atenção ao plano que deu certo e resolvemos nos concentrar no próximo plano. Assim, ninguém teria tempo pra distrações – ou discussões.
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Underneath - Abaixo de Tudo
AdventureA vida dos jovens é uma bagunça. Festas, bebidas, danças... Tudo isso fora a aceitação dos pais, a inclusão na sociedade, os sentimentos. É um padrão que os jovens vivem do século XX pra cá. Porém, a vida de 5 jovens está prestes a mudar quando se v...