C de Califórnia

9 3 0
                                    

Maio de 2014: presente.

Já é manhã mais uma vez. 

Eu e Clear conversamos bastante ontem. Em alguns momentos, me esqueci da Amie e me concentrei em seus problemas.

Clear sempre foi muito problemática, desde quando éramos pequenos. Eu sempre tento ajudá-la, mas ela costuma me impedir de me meter no caos de sua vida.

Ela sempre foi, como já dito, teimosa, orgulhosa e independente. Talvez seja por isso que os caras babacas que Clear costuma sair não saibam lidar com toda a autossuficiência dela.

E isso me preocupa porque, sinceramente, a Clear só finge que gosta de estar sozinha.

Ontem ela me disse que se sentia sozinha. Acho que ela me disse isso, naquele momento, de propósito, para que eu me esquecesse da Amie por alguns segundos. E também para que eu soubesse: ela entendia minha solidão.

Eu gostaria de estar mais presente na vida dela, como antes...

A última vez que a vi fora há alguns meses, quando ele veio me visitar.

"Por que você ainda está aí quando tudo que tens de mais precioso está em Illinois?"

É... Às vezes a gente investe na gente e é difícil porque muita coisa acaba ficando pra trás, às vezes as pessoas que a gente ama.

Sou diretor de cinema na Hollywood. Estou trabalhando no meu primeiro filme e é por isso que vim pra cá.

Como consegui esse cargo sendo tão jovem? Foi um verdadeiro golpe de sorte. Um roteirista de renome me conheceu em uma de suas viagens à Chicago. Ele tinha um roteiro pronto e queria alguém novo, em começo de carreira, para dirigi-lo. Ele gosta de lançar novos nomes.

Eis que eu apareci e ele amou o meu trabalho.

O problema disso tudo é que eu tive de deixar Chicago bem mais cedo do que tinha planejado.

Eu estava fazendo um estágio simples na minha área e quando vi... Esta havia se tornado a minha vida: acordar cedo, ir ao trabalho e voltar para este apartamento vazio que sou obrigado a chamar de casa.

Amo o que faço, de verdade. Em meio a tanta coisa ruim, meu trabalho é como a razão, o motivo para continuar (na Califórnia e também na vida).

Sair de Chicago para vir até aqui com certeza fora a decisão mais difícil que tomei em toda a minha vida. Deixar Amie, meus amigos, família e lugares que gostava, foi um grande sacrifício.

Fora do estúdio eu fico sempre me questionando se fiz a escolha certa, se realmente valeu a pena deixar tudo por este sonho...

Mas quando estou lá, atrás das câmeras, lembro-me do porquê de ter deixado a garota de cabelos castanhos para trás.

E eu quero sentir essa certeza de novo. Mais do que nunca eu quero ir ao trabalho e sentir que tá tudo bem em ter ido embora.

Eu preciso disso, preciso sentir mais uma vez que tudo isso está mesmo valendo a pena.

Fevereiro de 2013: primeiro ano no estágio.

Eu olhava Amie.

Estávamos no apartamento que ela dividia com Kathy, sua melhor amiga. Era bem simples. As paredes da cor azul pastel, o chão forrado com um carpete cinza e as janelas de madeira clara. Parecia um quarto de bebê gigante, não por ser grande, pois não era, mas por ter aquela mistura de cores tão calmas.

Amie e Kathy pagavam tudo meio a meio, literalmente tudo. Até o mesmo quarto elas dividiam, então quando eu dormia lá, a sala era nosso ninho. 

O ABC do AgoraOnde histórias criam vida. Descubra agora