Z de Zoom

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Janeiro de 2019: presente

Em todos esses anos eu estive offline pra vida. Estive esperando um ônibus que nunca chegou.

Isso porque a vida não para quando você está triste. Ela não parou pra mim e eu quis, incontáveis vezes, que ela parasse. Nem que por 10 minutinhos... Eu só queria poder não sentir nada, não pensar em nada, não viver nada.

Sabe aquele papo de chegar ao fundo do poço? Então, eu descobri que nunca na minha vida tinha estado lá. Eu o conheci naquele dia, quando voltei para casa sozinho. Aí sim, aí eu estive bem no fundo de um poço frio, úmido e solitário.

Eu realmente acreditei que se ela dissesse "não" eu simplesmente voltaria pra casa e seria a mesma coisa, mas não foi.

Definitivamente, não foi.

E o pior é que eu não tinha Clear, meus pais ou qualquer pessoa pra quem eu pudesse dizer que não aguentava mais. Eu estava sozinho e percebi que, desde que vim pra cá, eu sempre estive, só não tinha me dado conta.

É só prestar atenção na minha jornada. Minha única companhia fora o céu. Eu era sozinho, a diferença é que isso não me incomodava, não da forma como passou a me incomodar.

Eu não quis retomar esta história do ponto em que deveria, do ponto em que eu fechei a porta e a deixei mais uma vez.

Eu quis dar um zoom nisso tudo e ir diretamente ao final, o agora.

Eu não sabia quando seria o final, ninguém sabe, nem mesmo aqueles que dizem escrever suas próprias histórias.

Mas agora eu sei que é aqui. Nesse sábado de inverno, cinco anos depois.

A filha da Amie é linda. Clear me manda foto delas — Amie e Tina — todos os anos.

Tina tem cabelos loiros como os do pai, o nariz da Amie e o azul dos olhos dele. O sorriso dela é delicado, como o da mãe. Clear disse que ela gosta de livros, mesmo não sabendo ler ainda, ela tem uma porção deles. Um deles, eu mandei pelo correio. O livro do Pequeno Príncipe para que ela leia quando aprender.

No meu último aniversário Amie e Clear fizeram um vídeo pra mim. Bom, Clear fez e Amie participou com ajuda da Tina.

As três cantaram parabéns e o melhor do vídeo não foi ver Amie — na verdade foi meio assustador — mas sim ver Tina me chamando de tio Jimmy.

Amie fala de mim pra ela. Ela diz a ela que eu sou uma pessoa muito especial e que um dia espera que nós dois — Tina e eu — nos encontremos.

Clear disse que quando Tina quer ouvir histórias antes de dormir, Amie conta algumas de nossas histórias. Claro, ela enfeita um pouco as coisas com dragões e fadas, mas ainda são as nossas lembranças. Tina me vê como um cavaleiro de armadura e isso me faz sorrir sempre que lembro.

Leonard é um bom pai, de acordo com as informações que obtive ao longo dos anos. Ele é aquele tipo de pai bobão, que tem toda a atenção para a filha. E eu gosto que ele seja um bom pai e um bom marido. Eu não o odeio, na verdade desejo coisas boas pra ele, afinal ele está com a minha garota e a garotinha deles, eu não quero que elas se magoem com a infelicidade dele.

Eu sempre soube que Amie seria uma boa mãe, então o fato dela realmente ser, não foi nenhuma surpresa. Ela é dedicada e prestativa, está sempre na cola da garota, observando-a crescer.

Meu filme estreou no mesmo mês em que Tina nasceu. Na época esse filme era tudo o que eu tinha, então sim, pode-se dizer que foi o trabalho da minha vida. Quando as gravações acabaram eu me senti sem rumo, sem saber o que fazer ou pra onde ir.

E, pra ser sincero, até pouco tempo eu estava sem rumo. Mas agora eu entendi, agora eu acho que finalmente tô pronto pra esquecer tudo isso.

Não esquecer do tipo nunca mais lembrar porque isso não vai e eu não quero que aconteça.

Eu sempre vou lembrar da Amie. Da nossa amizade, do nosso namoro e dos nossos planos. Ela faz parte de mim. Ela é uma lembrança boa, uma saudade que há poucos dias era doída, mas agora é só saudade... Ela foi o amor da minha vida e não tem como a gente esquecer alguém assim, alguém que foi capaz de preencher todas as lacunas em branco e ainda transbordar confetes de carnaval no meu peito.

Eu não tenho mais esperanças em voltar com ela. E isso faz toda a diferença.

Antes de iniciar essa aventura eu não ficava triste por não tê-la comigo porque eu acreditava que, um dia, voltaríamos. Então eu me sentia confortado com uma possibilidade futura que, na real, não tinha nenhuma garantia de acontecer.

Quando fui atrás da Amie, a saudade passou a doer, pois estava desesperado, com medo de ser tarde demais. E no final, foi.

E foi esse "tarde demais" que me matou durante todos esses anos.

Eu pensava que se tivesse ido alguns meses antes ela não teria se casado, pensava que se nunca tivesse ido embora, talvez aquele fosse o nosso casamento, pensava que talvez eu devesse ser meio babaca e insistir mais um pouquinho pra ela fugir comigo.

A culpa me corroeu, o arrependimento me torturou e a saudade... Ah... A saudade nunca estrangulou tanto a minha alma.

Eu me odiei. Me senti indigno da felicidade.

Mas, sabe? Esses dias eu estava na cafeteria do centro, onde costumo ir sempre, e vi uma garota com seu namorado, sentados atrás de mim. Eles estavam conversando sobre destino e, eu não sou do tipo que ouve conversas alheias, mas aquela realmente chamou minha atenção.

Ela disse algo sobre confiar no destino, de verdade, com o coração. Ele a lembrou de quando ela deixou de ser Júlia para ser Ailuj (eu não entendi nada dessa parte) confiando por inteiro nos planos que o destino tinha e então ela disse: "temos a mania de nos culpar incansavelmente sobre nossas escolhas, como se pudéssemos alterar o passado... Nós apenas nos torturamos fazendo isso, pois, por mais que a gente pense que podia ser diferente, não foi. E a gente vive no agora, a gente não vive no que poderia ter acontecido. É preciso nos entregarmos à vida, ela nos dará, em recompensa, o prazer de se gostar de viver".

O namorado dela falou mais uma série de coisas poéticas, concordando com ela, e eu senti uma vontade incontrolável de dizer obrigado.

Eu escolhi ir embora, Amie escolheu não voltar comigo e, tudo bem.

Eu estava tão preocupado em como eu tinha feito besteira que acabei esquecendo do que contei a ela na letra H. Eu acredito no destino.

E se não terminamos juntos, o que se há de fazer? Eu já sofri o suficiente por conta disso, eu já chorei tudo o que tinha pra chorar.

Eu confio no destino e nos planos que ele tem pra mim.

Eu acho que agora, depois de todo um alfabeto, eu estou pronto para seguir em frente.

Eu acho que, talvez, eu estivesse ocupado demais sendo dela para conseguir me apaixonar por outra pessoa.

Um dia Amie e eu fomos um do outro, mas um dia não é mais hoje. Agora ela foi minha, agora eu fui dela.

Quando nos despedimos aquele dia, ela disse que eu era livre pra ir, mas eu nunca fui.

Eu continuei sendo dela por todos esses anos até agora.

Hoje eu acordei e ela não foi a primeira coisa que passou pela minha cabeça. Hoje eu acordei e senti vontade de recomeçar. Senti vontade de pintar as paredes desse lugar, comprar móveis novos, fazer uma festa e chamar os vizinhos...

O ônibus, que nunca chegou, continua sem chegar. Então eu apenas vou parar de esperar por ele.

Existe um mundo inteiro, cheio de coisas para eu ver. Se o ônibus quiser, ele vai me encontrar, existem várias paradas por aí.

Às vezes é só questão de você se permitir. Permita-se recomeçar e amar novamente.

Faço deste, o fim do ABC e, também, o começo do 123. Números sim, são infinitos.

O ABC do AgoraOnde histórias criam vida. Descubra agora