M de Mãe

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Maio de 2014: presente.

— Roupas na mala, jantar no micro-ondas, plantas regadas... O que falta? — digo a mim mesmo enquanto ando pela casa. — Ah, sim! Os documentos. Não posso decolar sem documentos... Oh, deus, estou falando sozinho agora!

Decido parar de falar enquanto ainda me resta um pouco de sanidade e vou procurar meus documentos.

A última vez que peguei em um deles para uma viagem foi quando vim pra cá. Minha mãe não parava de falar na minha orelha: "Jimmy, não se esqueça de levar casaco. Jimmy, não se esqueça de beber muita água. Jimmy, não se esqueça de ligar quando chegar. Jimmy, pegou os documentos? Não vá esquecer, você sempre esquece de alguma coisa...".

Sorrio, um sorriso triste.

Amie gostava muito da minha mãe, quase tanto como minha mãe gostava dela. Elas criaram laços fortes quando Rute, mãe da Amie, se foi.

2009 fora um ano tão triste para Amie e Clear que eu mal tenho boas lembranças dele. Foi um ano que apenas passou, sem muitas histórias pra contar.

Quando Rute se foi muitas coisas mudaram na vida da Amie.

A primeira delas foi que ela passou a não ter mais para onde ir aos finais de semana. Seus avós moravam longe e nem sempre viajar até eles compensava economicamente. Ás vezes ela ficava com Clear, ás vezes comigo ou outro amigo, mas, na maior parte das vezes, ela optava por ficar sozinha, andando pelos corredores vazios da universidade.

A segunda delas, acho que a pior, é que ela passou a chorar em todos os dias das mães, assim como chorava no dia dos pais quando criança.

Ela também me disse uma vez que nunca pisou tanto em um cemitério como naquele ano. Sempre sozinha, nunca com alguém. Era o momento dela com a mãe e nós entediamos.

Abril de 2009: segundo ano da faculdade.

Clear andava de um lado para o outro na sala de espera. Mexia em seus cabelos pintados de rosa de cinco em cinco minutos e nem percebia. Meu pé batia no chão sem parar e as minhas unhas já tinham sumido de tanto que as roí.

Estávamos há três horas no hospital esperando por notícias da senhora Jhornes, mas até aquele momento só o que havíamos conseguido descobrir, através da Amie, é que tentariam uma última cirurgia. A Sra. Jhornes estava com uma grave infecção nos rins.

— Jimmy... — Clear disse sentando ao meu lado. — Eu estou com medo — ela tinha olhos marejados — Não posso perder a tia Rute e Amie não pode perder sua mãe. Ela é tudo que ela tem no mundo.

Meu coração ficou apertado, eu não queria que nada de mal ocorresse. Por mais que Amie e eu ainda não fôssemos próximos, eu me preocupava com ela. A gente sabe que perder uma mãe nunca é fácil, a gente sabe que uma vida perdida pode deixar marcas eternas nas vidas que ficaram.

— Eu estou aqui com você. Vai ficar tudo bem... Vocês duas, vocês podem contar comigo — eu disse, sem jeito.

E então ela chorou nos meus ombros.

Foi chocante ver Clear assim, pois sempre fora o contrário. Ela sempre me deu o ombro pra chorar, ela sempre cuidou de mim. Eu não estava preparado para vê-la decair.

Quando ela conseguiu se acalmar, eu lhe trouxe um copo d'água e acho que, por um segundo, nós sentimos uma paz muito grande. Ela sorriu, um sorriso pequeno e tímido, mas me fez sorrir de volta mesmo assim. Acho que ela estava grata por estarmos juntos nessa, geralmente ela não me deixa participar de seus maus momentos.

Mas a paz que sentimos pareceu evaporar quando Amie entrou na sala, abrindo com força e desespero aquelas portas pesadas de hospital.

Amie estava com o cabelo preso em um rabo de cavalo, estava com seus óculos de descanso, pois provavelmente sua vista estava fraca devido ao choro e a dor de cabeça. Ela tinha um semblante péssimo e eu nunca vi uma versão dela tão assustada.

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