Capítulo 22

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Estou encarando a janela pelo que parecem séculos. E talvez façam. Parece que foi a anos luz atrás, como se estivesse lendo em uma história. Uma história diferente e estranha, mas principalmente uma história que não pertence à mim.

Hoje eu finalmente pude andar pela casa e minha abuela fez uma espécie de sopa nutritiva - verde - e disse que eu deveria comê-la. Eu a joguei em uma das plantas de minha mãe enquanto abuela não olhava. Vamos combinar, a sopa era verde. Verde! Quem toma sopa verde? Isso fez com que eu me sentisse mal um tempo depois, porque praticamente ignorei os cuidados da minha avó, mas o remorso se foi rapidamente, porque a sopa era verde.

Quinn era outro que parecia um urubu. Passava todos os dias no final de tarde em minha casa, e deixava as lições do dia e a matéria na minha escrivaninha. Depois perguntava se eu estava bem, e jogava conversa fora. Sei o que ele estava tentando fazer. Reconhecia aquele comportamento de defesa e aquela proteção excessiva. Ele sentia-se culpado por não estar lá na hora, por não ter conseguido apanhar junto comigo, e principalmente por não ter me ensinado a diferença entre um cigarro e um rolo de maconha. Mas acho que qualquer babaca perceberia isso, menos eu. Depois de ter jogado conversa fora comigo, ele sumia e só voltava a aparecer no mesmo horário do outro dia.

A verdade é que eu não consigo fazer nada agora. Não consigo ocupar minha mente com a escola, com a matemática e com mais nada. Só consigo pensar que faz dias que não assisto o pôr do sol com Nestie Denvers. O seu leve cheiro floral praticamente já foi apagado do meu cérebro, e a risada, a forma de dizer o que achava das danças das cores do céu, tudo isso que faz Nestie Denvers ser Nestie parecem muito distantes agora. Tão distantes quanto sua mensagem de texto.


Garota Rosa: Hey Bazie! Estive aí no seu dia de alta, mas você estava meio dopado de remédio, e vi o quanto sua família está toda cheia de coisas para fazer, então resolvi não incomodar. Espero que você melhore de tudo isso que está passando. Força!


Tão pessoal quanto uma pedra.

Me intriga de várias maneiras pensar em como as coisas ficaram banais. Todos os dias eu fui assistir ao pôr do sol, religiosamente. Agora que estou sem, percebo o quanto faz falta. O quanto tratamos as coisas extraordinárias como se fossem comuns. Acabei me acostumando com a presença daqueles cabelos rosa e me arrependo. Nestie Denvers não é uma pessoa pela qual você se acostuma. Todos os dias, em qualquer minuto, é impossível banalizar Nestie.

Abuela diz que eu estou "loco de amor" e que infelizmente não tem uma cura para isso. Segundo ela, não é possível fazer sopas e chás para pessoas tão doentes assim.

E é isso que me fez levantar da cama essa manhã. Saber que não tem jeito de qualquer maneira. Estou doente de amor?! Então que seja! Estou doente mesmo e não vou tentar fugir, mas não vou tentar conviver com isso também. Situações como essa demandam tempo e estratégia, e a primeira que eu tomei foi não pensar - ou tentar - nela no dia de hoje. Não dizer seu nome, ou associar coisas à ela e apenas lembrar de viver. Lembrar que meu organismo consegue funcionar, com ou sem a presença dela. Funcionou até antes de conhecê-la, por quê não funcionaria agora? Como diz East: "É claro que você consegue viver sem ela, vocês dois não nasceram grudados!".

Por isso, pego meu laptop e começo a atualizar minha playlist para o Baile. Abro minha cabeça ao máximo para focar naquilo e apenas naquilo. E a tarde voa. Já estou sentindo pouas dores, e além disso posso ver que meu olho já desinchou - agora está em um aspecto roxo esverdeado horrível - e o pulso e as costelas quebradas já estão melhores. Já vou poder começar a voltar a andar de bike, então finalmente as coisas vão começar a voltar ao normal. 


No começo da noite, mamá passa no meu quarto para trazer o jantar e o remédio. Posso ver que a deixei preocupada, mesmo sem que ela dissesse nada. E me sentia um merda por isso.

Ela acaricia meu rosto enquanto me vê engolir o remédio e eu seguro sua mão, a beijando em seguida.

- Gracias, mamá. - murmuro em meu espanhol fajuto.

Ela não responde nada além de acariciar meu cabelo, saindo do meu quarto e fechando a porta em seguida. 

Me encontro na escuridão do quarto, olhando para a pouca luz que a janela traz da rua. Minhas pálpebras lutam contra mim, mas acabo sendo vencido pelo remédio forte e posso me sentir entregue ao sono. 


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- Você já parou para pensar que um dia tudo isso aqui vai acabar? - Elizabeth Grace jogou os cabelos ruivos para cima de sua cabeça e algumas mechas foram parar em meu rosto. 

Estávamos deitados na grama, esperando pelo solstício que aconteceria no meio da tarde e Lizie não parava de gesticular, tentando colocar a figura do sol entre os dedos. Existia algum fascínio em sua mente ao presenciar o evento da lua tampar o sol em pleno dia, então ela praticamente me arrastou para vê-lo. 

- Quer dizer, tudo isso aqui - ela faz movimentos circulares com as mãos pequenas, indicando não apenas a cachoeira, mas o mundo - Vai acabar. Isso não é bizarro?

Começo a rir alto e ela vira o rosto sardento em minha direção, franzindo o cenho. - O quê? - continuo rindo - O que foi, Sebastian?

- Você é tão aleatória, que fica até divertido conversar.

Ela inclina a cabeça em minha direção e revira os olhos cinzentos. Malditos olhos esbugalhados e cinzentos. Seus dentes da frente eram um pouco separados e o rosto cheio de pintinhas era rosado. Passo o dedo indicador por cada uma das sardas, como se estivesse em uma atividade do primário e tivesse que ligar os pontos. Ela pisca umas três vezes antes que nossos lábios se toquem. E depois se tocam mais uma vez. Lizie ri e me afasta, voltando a olhar para cima.

- Vai começar Bas. Vai começar, preste atenção. - ela aponta para um pontinho preto no sol e pega os raio X, passando um para mim e colocando o outro no olho.

Seguro o riso - Quem quebrou o joelho na sua casa?

- Meu irmão. Agora cale a boca e preste atenção.

Comecei a rir, e voltei a prestar atenção no Solstício. 


E quando voltei a abrir os olhos, estava escuro e eu não estava mais na relva, deitado. Estava no meu quarto, sem ar.

Jurava que podia ver os olhos cinzentos ao meu lado. Mas eles não estavam. Ao meu lado, só estava o grande vazio deixado por falta deles.


A Playlist de Sebastian Bentley

16- Amber Run - Just My Soul Responding.


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E isso é apenas a minha alma respondendo
Para o coração pesado que mantenho
E isso é apenas a minha alma respondendo
Para o amor que você tirou de mim
- Just My Soul Responding

Não se Apaixone por Mim 🥀 - (Livro 01) DESVENTURAS DE UM CORAÇÃO PARTIDOOnde histórias criam vida. Descubra agora