Capítulo vinte e dois

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"Algumas pessoas escondem sua vergonha como uma cicatriz, apavorados com a ideia de que os outros vão ficar horrorizados se ela for exposta". Li isso em um livro chamado doce perdão, que resumia muito bem a minha vida até aqui. Minhas consultas com a psicóloga Fernanda terminaram. Eu ainda tinha a cicatriz, mas não me apavorava mais em mostrá-la. Nem a exibia como uma bandeira de advertência, anunciando para as pessoas o perigo delas se aproximarem. Eu sigo a minha vida assim mesmo, chamando esse trecho de "uma grande tristeza", mas que superei e segui.

Visto o meu melhor vestido e coloco os pés pela primeira vez em um salão de beleza. Agora, com um sorriso apenas indicado pelos olhos eu me olho no espelho e mesmo que o meu coração extrapole de tanto nervosismo, encaro isso como algo natural. Caminho pela rua, preparada para aquele momento. Queria estar irreconhecível com todas aquelas mudanças físicas e emocionais, mas quase ninguém percebe. Vou sem pressa pela calçada da avenida principal do Colorado. Era um final de tarde lindo e sol já desaparecera por detrás das montanhas quando eu, enfim, cheguei à frente da casa do Arthur.

Eu observo o cenário por longos minutos antes de bater no portão. Muitas lembranças vieram à tona, mas eu sorri de mim mesma quando percebi que nenhuma delas causava em mim aquela sensação de desespero em não ter o Arthur comigo. Eu ouvi passos seguidos pelos latidos do cachorro. Então voltamos a ficar frente a frente.

Os meus lábios tremem quando eu olho em seus olhos e ele saí rapidamente de dentro da casa, fechando o portão e segurando o meu braço me arrastando dali como um louco. Eu já havia vivido essa cena antes.

— O que está fazendo?

Eu fiz um movimento rápido o obrigando a soltar o meu braço. Paramos no meio da rua, há uns dez metros da sua casa.

— Eu quem deveria perguntar o que a mocinha faz aqui há essa hora? – Ele apontou o dedo bem na minha cara e pela primeira vez eu senti repugnância daquele homem rude e sem escrúpulos – Será que eu devo lembrar a você sobre o nosso segredo?

Ele só podia estar de brincadeira, eu pensei. Depois de tudo o que ele havia me feito passar a algumas semanas atrás naquele bar, repercutindo uma depressão sem fim que quase me matou, agora ele estava ali agindo como se nada tivesse ocorrido? Ou ele era louco ou sofria de um caso sério de amnésia.

— Até quando você sustentará essa desculpa velha de um segredo que só existe na sua cabeça? – Eu mantive firme com ele – Só você não percebe que toda a cidade já sabe que você andou saindo comigo.

— Você deve se orgulhar muito disso.

Ele falou isso com prazer alisando o peitoral descoberto que algum tempo atrás me causava arrepios. Arthur era um rapaz muito bonito, isso eu não poderia negar jamais, porém esse atributo quase não era percebido quando o conhecia tão bem quanto eu.

— Não, eu não me orgulho – Eu o encarei bem nos olhos – Na verdade eu sinto vergonha por ter desperdiçado minha juventude com um cara como você, sabe? Não valeu a pena.

Eu me sento aliviada por dizer isso.

— Ficou maluca, Zoe? – Ele pareceu bem zangado – Sabe quantas garotas nessa cidade gostariam de ter tido a oportunidade que você teve de estar comigo?

— Você se acha o máximo não é, Arthur? Mas você não passa de um homem medíocre, bonito e com dinheiro. Se tirar isso o que te resta? Nada, porque nem as mulheres que deitam na sua cama são suas de verdade.

Eu o vi abaixar o olhar e ficar em silêncio. Perguntei-me por um momento por que eu estava fazendo aquilo, se no final eu havia ido ali apenas para colocar um ponto final nessa fase triste da minha vida. Mas agora o respeito por mim mesma era o mais importante e o Arthur o feria todas as vezes que abria a sua boca.

Minha Obsessão - Livro 1 COMPLETOOnde histórias criam vida. Descubra agora