As minhas consultas com a doutora estão agora na sua fase final e hoje causo espanto quando alguns veem de perto o quanto estou melhor. As terapias me fizeram ver e sentir as coisas dá forma mais simples possível.
Diga a si mesma quem você é com honestidade.
Fernanda me deu um papel e uma caneta.
— Quero que identifique todos os seus sentimentos – Ela me disse – Desejos, pensamentos e talentos. Reconheça o seu lado positivo e negativo. Questione de onde vêm suas emoções, suas atitudes. Elas lembram as de alguém com quem você conviveu? Agora escreva todas as respostas nesse papel e leia com frequência em voz alta até se conscientizar sobre o que realmente quer e o que precisa deixar para trás.
A primeira regra do nosso jogo foi difícil de ser concluída. Eu escrevia no papel todos os meus pensamentos, os mais sombrios, os mais secretos, mas dizê-los em voz alta para que eu mesma escutasse, foi a parte árdua. Ouvir de mim mesma que eu me sentia sozinha, desamparada, não foi nada fácil, nada fácil de seguir.
Liberte-se da culpa.
— O que você sente ao se lembrar do João? – Fernanda me perguntou.
— Raiva, medo, tristeza, culpa – Eu senti os meus olhos lacrimejarem – Um enorme sentimento de morte.
— Agora, pare por alguns minutos e tente isolar esses sentimentos. O aceite. Para ajudar a elaborar a sensação, controle sua respiração até reconhecer o que exatamente a fez chegar a essa conclusão. Responsabilize-se pelos seus atos, pois a culpa fará com que você permaneça no papel de vítima e isso não proporciona crescimento. A responsabilidade faz com que acreditemos na capacidade de mudar.
Foi um impacto ouvir as palavras que saiam de sua boca. Hoje os meus pensamentos são vitais, sem medo, sem culpa. Enfim, essa manhã eu me olhei no espelho e percebi quantas coisas boas existem dentro de mim. Eu me livrei da culpa e me tornei uma menina responsável.
O resgate da autoestima
Fernanda pegou um espelho e apontou direto para mim.
— O que você vê quando se olha no espelho? – Ela me perguntou.
— Eu vejo uma menina feia – Eu a respondi cheia de repugnância – Uma menina que sente um ódio mortal por si mesma.
— Certo – Ela afastou o espelho de mim – Vou te dar pequenas tarefas para que faça no seu dia a dia. Primeiro, limpe o seu quarto, organize as suas roupas, pague as suas contas, faça uma caminhada uma vez por dia. Depois saia de casa, convide seus amigos para almoçarem. Defina uma meta a ser alcançada em sua vida. Leia algo inspirador, ouça uma música que a motive, converse com alguém que pode elevar o seu espírito. Pequenas ações mostram que você é capaz de atingir metas.
Ela fez uma pequena pausa e voltou a falar.
— Agora eu quero que você use a sua imaginação. Crie uma imagem de si mesma como sendo uma pessoa confiante em que você aspira se tornar. Sinta as coisas, sentimentos, a experiência de ser e de ver do ponto de vista dessa pessoa. Descubra quem você é. Respeite a si mesma.
Enfim, descobrir quem eu era me fez ver a Zoe que nunca se sente sozinha. No final das contas, me olhar no espelho se tornou uma rotina gostosa e quase impossível de não se fazer. Eu tinha uns olhos tão lindos, tão marcantes, como eu não havia percebido isso antes? Como não havia percebido o meu sorriso largo e fácil? Como eu não vi isso antes?
Minha obsessão.
A parte mais difícil da história. Eu nunca aceitei ninguém me dizer que eu não podia seguir ao lado do Arthur. Nunca concordei com o fato de não ser ele o homem certo para mim. Jamais acreditei que existiam pessoas certas uma para as outras, apenas que seus vazios eram preenchidos, como o meu vazio sempre foi preenchido por aquele rosto lindo, por aquela voz forte, por aquele sorriso.
— A sua relação com o Arthur é doentia, Zoe.
Levo um choque. É complicado, bem mais complicado do que Fernanda pode imaginar. Foi como declarar guerra ao meu desejo. Eu estava a ponto de explodir.
— Essa obsessão – Ela prossegue – Está relacionada com uma figura paterna protetora. Você busca no Arthur o amor, a proteção, o afeto, o carinho de um pai, mas o vazio sempre continua. Se submeter a todas essas humilhações achando que isso bastará para tê-lo em seus braços não é saudável. Precisa existir um respeito entre ambos, se não algo está muito errado.
Desvio o rosto como se tivesse levado um tapa. Jamais imaginaria que essa necessidade de ser amada, fosse a ausência de um pai. Eu sempre acreditei que essa questão da minha vida estava resolvida desde o princípio, porém Fernanda me fez perceber que eu estava muito equivocada nas minhas certezas. Algo precisava ser feito dentro de mim. O perdão talvez fosse a chave do sucesso. Perdoar o meu pai por ter abandonado minha mãe ainda gestante de mim não foi tão difícil. Eu tive que trabalhar duro na terapia com a Fernanda para me livrar desse desejo incontrolável que eu sentia em ter o Arthur a todo o custo ao meu lado. Viciada em amor, eu diria, porém, cujo amor ele não sentia, mas eu me recusava em deixá-lo ir.
— O que você acha de terminar tudo com ele? – Fernanda me disse – Talvez encerrar essa fase da sua vida faça muito bem a você. Pode ser fundamental em todo esse processo.
Eu senti um nó se formar bem no meu estômago ao pensar nessa possibilidade.
— Talvez seja boa certa distância do Arthur – Ela continuou – Seria muito legal se você planejasse uma viajem, pode fazer bem ao seu ânimo. Se manter afastada impedirá que aconteça uma recaída.
Eu não sei em que momento eu cairia em si sobre a importância que essa consulta com a doutora e os seus conselhos seriam para mim. Mas não foi fácil digerir a ideia de terminar tudo e me afastar. Isso era doloroso, sufocante, mórbido. Eu queria ter coragem, em algum lugar eu queria ter.
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Minha Obsessão - Livro 1 COMPLETO
RomansaZoe Morgan é uma adolescente de 18 anos, tímida, de poucos amigos, que não possui sonhos e que há muito tempo não se sente notável. Ela luta insistentemente com um passado traumático e cheio de medos. Abusada sexualmente pelo próprio padrasto, Zoe t...