Capítulo 11 - Verdades de um Passado Sombrio

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Tiago estava desesperado demais para gritar. Fechou os olhos para não olhar para baixo e ver o quão alto estavam voando, já era vertiginoso o bastante sentir o vento forte bater em seu rosto e o som das asas de Demian.


— Abra os olhos e contemple o seu passado— Demian exclamou sobre o barulho de suas asas.


Tiago demorou alguns segundos para fazer isso, estava com medo, mas o fez. Eles estavam voando por cima de floresta densa, coberta por um manto de névoa prateada, e bem lá na frente, cortando o horizonte, havia um vulcão a beira-mar, escuro e sombrio, a estrutura negra lembrava um dedo deformado apontando para o céu. Demian começou a descer, eles estavam se aproximando da boca do vulcão, Tiago ficou em silêncio e observando tudo em volta, mais tarde tentaria fugir, com certeza. Eles então desceram boca a dentro, por um funil sem fim e sombrio. A abertura se abria para o coração do vulcão inativo, uma imensa caverna iluminada por milhares de velas negras presas em suportes de ferro pelas paredes e tetos irregulares. No centro da caverna havia um lago cristalino, quando finalmente chegaram ao chão, Tiago notou que havia dois peixes nadando calmamente lá dentro, um era prateado e o outro dourado.


— Bem-vindo ao lar, creio que você não se lembre mais de nada, depois do que Rei fez e...


— Mestre voltou!— A voz que se elevou pela caverna era fria como a noite. Tiago olhou em volta assustado, e viu um vulto se movendo entre os pilares naturais de pedra— Você não mudou nada, todos esses anos... Só perdeu seu olhar determinado, e aquele sorriso frio. O que aquele idiota do Rei fez com você?


Então a pessoa dona da voz apareceu, deixando-se iluminar pelas velas. Era uma garota baixa, de cabelos negros e curtos, usando um vestido dourado, os dedos longos e braços eram cobertos por jóias, e os olhos eram dourados como ouro e em fendas.


— Sara, não seja tão chata assim no começo. Ele não lembra mais de nada, mas logo ele estará de volta para nós, como antigamente esteve, antes do Rei roubá-lo.


— Ele não roubou nada, você que me sequestrou!— Tiago gritou, a voz ecoando pela caverna imensa.


— Você não diria isso se soubesse de toda a verdade, Tiago. Jamais diria isso para mim.


— Então diga, diga qual é a verdade, vamos lá. Eu quero ir embora!


Demian deu um pequeno sorriso e olhou para Sara.


— Melhor nos deixar sozinhos.


— Tudo bem, vou queimar algo por aí.


A garota girou o corpo e foi crescendo, ganhando tamanho, aparecendo asas e chifres, até transformar-se em um imenso dragão rubi, as escamas brilhando a luz das velas. Ela soltou um som alto do fundo da garganta e levantou voo, as asas enchendo a caverna de vento e quase apagando as velas.


— Agora que ela já foi, pode falar. Vamos, eu quero saber o que você tem de tão importante para contar, a ponto de me sequestrar, e o pior, ferir o Rei.


— Se fosse antigamente você teria me parabenizando por ter feito todo aquele espetáculo. Enfim, o que quer que tenham te contado é mentira, ou ao menos uma parte, não sei muito bem o que aquele idiota colocou na sua cabeça, mas eu vou te falar a verdade.


— No início você era um humano diferente de todos, vivia em uma aldeia que existia aos pés desse vulcão. Seu povo adorava os dragões que viviam neste vulcão, davam calor e proteção a eles, em troca eles deveriam nos entregar todo o ouro que possuíam, para que assim pudéssemos reter nossa magia, e protegê-los com mais força. Então você nasceu, uma fonte poder tão forte que foi capaz de matar todos no quarto, naquela noite seu pai colocou culpa na gente, dizendo que nossa magia havia afetado sua mulher, mas não era verdade, o que afetou ela foi o fato de ela ser bruxa e nunca ter contado a ninguém, e o pior, ter sufocado sua magia com magia poderosa. Esse bloqueio foi quebrado quando ela usou todas as suas forças para dar a luz a você, mas como ela se foi naquela noite, toda a sua magia passou para a pessoa que tinha o sangue dela, você. No entanto, seu pai ficou furioso conosco e conseguiu convencer todos da aldeia que éramos perigosos e que deveríamos morrer. E em uma fatídica noite quente, como nossos corações, seu pai e todos da aldeia invadiram a caverna, o que era algo inaceitável, eles estavam dispostos a nos matar, Sara e eu não tivemos escolha a não ser nos defender. E foi o que fizemos, e...


— Vocês mataram todos naquela noite.


— Não foram nós e sim nossos pais, e se quer saber, eles mataram nossos pais primeiro. Seu pai... Então minha irmã e eu ficamos órfãos, assim como você. Anos depois, quando você tinha em torno dos seis anos você de alguma forma encontrou a entrada da caverna sozinho, curioso demais imagino, e eu encontrei você, quase o matei, mas senti a magia que você tinha e não o fiz. Você cresceu aqui conosco, você e eu... Bom, creio que você já imagina— Ele deu as costas a Tiago— Então você fez uma viagem pela Europa, e conheceu Rei. Você o trouxe para essa caverna— Ergueu os braços— Para nossa casa, e não me disse nada, você nunca me disse nada, e eu nunca perguntei. Então você foi embora com ele, para sempre, e não voltou mais. Procurei você, mas nada... Você bloqueou seu rastreio, e não havia magia alguma que pudesse encontrá-lo, até que ele apagou toda sua memória e a magia quebrou.


Tiago escutou tudo perplexo, o peito doendo, a mente dando cliques sucessivos e dolorosos, ele levou as mãos aos cabelos quando um clique muito forte fez seu crânio doer, sua pele arder e seus olhos queimarem. Tiago caiu de joelhos no chão caverna e gritou, o som ecoando por todos os lados, fazendo as velas se apagarem, seguidos por um outro som, um berro de agonia e dor que se ergueu do chão sobrenatural. Demian assistiu tudo muito assustado.


— Sua magia está sendo quebrada— Disse ele sobre o barulho.


Tiago escutou a voz de Demian ao longe, em meio ao seu tormento de dor e sons, a mente lançando muitas e muitas imagens, em um turbilhão de cores e sem sentido. Então a última imagem que viu foi o rosto de Rei e Demian, e caiu na escuridão.

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