Naquela noite, lembro de ter ido para meu quarto ( que na verdade era só um espaço da sala onde a divisória era uma estante e colocaram a minha cama) e deitei na minha cama atenta a todo e qualquer barulho, pois Pedro dormia do outro lado da sala, atrás do sofá.
Demorei para dormir, e quando o sono veio, por mais que eu tentasse lutar contra ele, sempre acabava cochilando. Até que adormeci de vez.
Quando eu era criança, sofria de sonambulismo, e sempre estava presente em meus sonhos, uma imagem, uma figura, um ser (não sei ao certo) mas era encapuzado com uma veste negra, não tinha rosto, e não tinha olhos, muito parecido com aqueles dementadores do filme dd Harry Potter.
Essa "coisa" sempre me chamava para ir pro lado de fora de minha casa ou simplesmente vagava pelos cômodos e eu observava.
Fazia certo tempo que ela não aparecia em meus sonhos, mas naquela noite, apesar de não te-la visto, sinto que ela havia me visitado enquanto eu dormia.
Em meu sonho, eu estava sentada na minha cama e a casa estava mais escura que o normal. Lembro de ter levantado, como se não fosse eu que estava controlando meu corpo e seus movimentos. Sinto algo gelado tocar-me os ombros, mas, não ouso olhar para atrás, apenas vejo que são duas mãos me segurando, e me levando em direção a cozinha.
O relógio marcava 19h, e era nesta mesma hora que eu costumava fazer café. Porém, o dia estava mais escuro que o normal.
- Você vai colocar a água para ferver, mas, desta vez quero que você encha a chaleira até o topo- disse a voz que estava me segurando.
Sem exitar e nem perguntar, enchi a chaleira até o topo de água e liguei o fogo.
Em um estalar de dedos a água começou a ferver, e segurando minha mão, a "coisa" me forçou a pegar a chaleira e deu uma faca grande e afiada em minha outra mão. Ela me direcionou a dar a volta por trás do sofá onde Pedro estava dormindo e mais uma vez, falou comigo.
- Você vai virar essa chaleira de agua fervente em cima dele e enquanto ele se debate, você o matara com essa faca que eu te dei.
Minhas mãos estavam trêmulas, a água da chaleira continuava fervendo mesmo sem estar no fogo, e eu estava com ela posicionada acima de Pedro, eu não consegui fazer o que a voz me dizia.
- Não se preocupe, eu irei te ajudar.
E quando ela terminou de dizer isso, senti ela entrando em mim, e me senti mais forte. A chaleira de água foi virada como ela havia dito e Pedro gritava pois a água atingiu seu rosto, e eu pulei pra cima dele. Uma facada. Duas facadas. Três, quatro, cinco... Dez... Vinte facadas ou mais. Seu corpo estava ali, perfurado e ensanguentado. Uma risada frenética saiu de mim e junto dela "a coisa" saiu de meu corpo e eu acordei apavorada. Acordei na cozinha de minha casa, de frente para o fogão, e havia uma chaleira com água fervente em minha frente.
Por um momento fiquei ali paralisada, confesso que chegou a passar em minha mente a ideia de fazer o que eu fiz no meu sonho. Mas eu simplesmente corri para meu quarto e depois de virar de um lado para o outro, dormi. Dessa vez, sem sonhos.Acordei com minha mãe falando que eu estava atrasada para o colégio. Me arrumei e sai.
As piadas com minhas amigas aquele dia não tinham graça. Eu não parava de pensar no dia anterior. Nada me animava. Eu queria contar tudo para minhas amigas, mas elas não entenderiam. Sei que não.
A contra gosto, voltei para casa, Pedro não estava em casa la novamente, fui ao quarto da minha mãe, havia outro descanso de tela no computador, arranquei a tomada do plug, tranquei a porta e dormi.
Quando acordei a casa estava no mais completo silêncio. Presumi que Pedro não havia voltado ainda e pensei em ir até a cozinha pegar algo para comer. Levantei e fui em direção a porta. Havia um papel debaixo dela.
Passei algum tempo observando aquele papel. Algo dizia para eu não abrir ele. Simplesmente joga-lo pela janela e esquece-lo. Levantei. Um passo. Dois passos. Três passos. Abaixei para pegar o papel e fui com ele em direção a janela do quarto de minha mãe com a intenção de joga-lo. A curiosidade acabou sendo maior e eu abri o papel.
Dentro do papel estava escrito "te dou 20 reais pra vc deitar comigo".
Não havia remetente, e nem precisava, eu sabia quem era. Pedro!
Outro sentimento tomou conta de mim. Raiva. Eu queria gritar. Eu queria ter forças suficientes para socar a cara dele.
Eu rasgo os papel no maior numero de pedaços possíveis. E começo a gritar jogando todos os pedaços janela a fora. E eu grito com mais e mais força. E começo a socar a parede ignorando toda a dor dos meus punhos.
E então, aquela risada do lado de fora. Aquela maldita risada.
- Parece que alguém acordou irritadinha hoje- meu sangue fervia, eu queria sair dali- O que aconteceu?- mais risos- Não quer desabafar com seu irmão?
Chega. Foi meu limite. Eu abri a porta e parti pra cima dele. Ele ficou parado enquanto eu socava ele com todas as forças. Até que venho a exaustão e eu comecei a chorar. E ele? Ele simplesmente pegou com força meus dois braços, me prensou na parede, e com aquele bafo de drogas exalando fortemente dele, ele disse:
-Agora você vai se arrepender por não ter colaborado comigo.
Eu gritava. Eu tentava escapar. Ele era muito mais forte que eu. Era como se minha resistência a ele não tivesse impacto nenhum. Ele tapou minha boca me arrastou como uma pena para dentro do quarto de minha mãe fechando a porta e a janela com a mão que estava livre. Ele me jogou na cama e segurou minhas duas mãos para cima com uma mão só, enquanto com a outra ele retirava o cinto. E eu gritava. E eu chorava. Eu suplicava para que ele parasse. Mas ele não ouvia.
Ele usou o cinto para amarrar meus braços. Eu me batia com todas as forças que ainda restavam em mim. Ele começou a tirar minha roupa. Quando eu estava completamente nua, ali na frente dele, só uma criança, que ainda brincava de bonecas. Indefesa. Sozinha. Ele me analisou, com aquele olhar demoníaco. Eu tremia de tanto chorar. Eu lembro de ter feito xixi de tanto medo. Eu não aguentava mais. Meu grito já não saia. Ele passava a mão pelo meu corpo. Meu pequeno corpo. Nem seios eu tinha e ele me olhava como se eu fosse uma mulher crescida. Eu só conseguia chorar sentindo que estava rouca e já não podia gritar.
E depois? Depois caro leitor, você já deve imaginar. Ele me estuprou. Mas é algo do qual eu não lembro direito porque desmaiei na hora. E mesmo que eu lembrasse, confesso não conseguiria falar os detalhes pois mal tive forças para relatar tudo que disse até aqui. Tudo que lembro é da dor, e do sangue que estava no lençol quando acordei.
Minha mãe não voltou para casa por dois dias. E por dois dias eu fiquei ali. Trancada. Sozinha. Com medo.
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Vivendo no escuro
Short StoryO que é a escuridão afinal? Como é viver sem nenhuma perspectiva de vida? Até que ponto alguém deve chegar para achar na morte a solução para algo? De que vale uma vida de sofrimento e ilusão? O livro aqui feito, com cada resquício de dores que já f...