Aquele dia no colégio, foi outro dia em que nada tinha graça.
Percebi que para aquelas que eu chamava de amigas, eu não fazia a menor diferença. Elas não perguntaram por que eu faltei dois dias. Elas não se importaram em saber se eu queria conversar com elas ou ir embora com elas... Elas simplesmente foram embora sozinhas, sem mim.
Eu não sabia o que minha mãe tinha feito. E ter feito o bilhete me deu certo arrependimento ao imaginar a possibilidade de que Pedro descobrisse e fizesse algo comigo. Minha mente imagina mil coisas...e então, tudo que escuto é uma buzina seguida de uma freada forçada, e um carro a pouco centímetros de mim.
- Menina, tem que prestar atenção. O que uma criança como você ta fazendo andando na rua sozinha? Pelo amor de Deus - disse o motorista do carro, e depois saiu.
Eu não disse nada, e nem queria. Antes tivesse sido atropelada. Só de pensar em ter de voltar para aquele inferno conhecido como casa, qualquer coisa que me impedisse seria bem vinda. Mas nada impediu.
Eu cheguei. Subi as escadas. E vi todas as janelas de casa trancadas. Fui até a porta e fiquei refletindo comigo mesma se eu realmente deveria entrar. Coloco a mão na maçaneta. Minha respiração esta profunda e lenta. Meu sangue parece estar frio. Meu coração parecia não bater mais. Meus punhos apertam a maçaneta com força. Meu corpo parecia querer transparecer forças que não existiam. E então, num movimento não planejado eu viro a maçaneta e a porta se abre.
Meu coração começa a acelerar. Sinto um frio percorrer a minha espinha. O medo vem ao meu encontro novamente como se estivesse debochando de mim. Mostrando minha fraqueza.
Pedro estava sentado no sofá, bem a minha frente, olhando profundamente nos meu olhos e eu não conseguia me mover.
- Porque?! - gritou ele enfurecido e eu recuo um passo pra trás com as pernas já bambas - Porque?- ele repete.
Minha mãe me puxa com violência para dentro de casa e fecha a porta atrás de mim. Ela me olha com olhar de fúria. Eu não entendo.
- Que brincadeira de mal gosto é essa? - diz ela cuspindo as palavras na minha cara - Tem ideia disso daqui? Como você pode falar assim do seu irmão? Como você pode acusar ele desse jeito? Eu não sei o que eu faço com você, você passou dos limites.
Eu estava chorando, eu não conseguia acreditar, minha mãe não acreditava em mim. A única pessoa com quem eu achei que podia contar, não acreditava em mim.
- Mãe eu nunca inventaria uma coisa dessas - uma mistura de dor e raiva se apoderou de meu peito - ele que fez tudo aquilo comigo, eu nunca mentiria mãe. Por favor, acredita em mim.
- Eu te conheço - disse minha mãe - você é cheia de inventar histórias pra ganhar o que quer.
- Mãe, por favor acre....
- Fala a verdade sua mentirosa- interrompe Pedro
- CALA A BOCA - grito num acesso de fúria - CONFESSA O QUE VOCÊ FEZ SEU DESGRAÇADO!!!
- Para de gritar agora - disse minha mãe me dando um tapa na cara.
- Eu vou sair de casa, eu me nego a morar debaixo do mesmo teto que esse infeliz - disse como se soubesse o que estava fazendo.
- Então vai, vai que eu quero ver se você sobrevive fora de casa - disse minha mãe por fim apontando pra rua.
E eu sai, e corri pro telefone público mais próximo que tinha, digitei o numero de Hellen esperando ela atender e quando ela atendeu, tudo saiu assim, empurrado, chutado, embaralhado, mas eu não contei a parte de Pedro me amarrando e nem dele tirando minha roupa, era vergonhoso demais para mim ter de compartilhar aquele fato.
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Vivendo no escuro
Short StoryO que é a escuridão afinal? Como é viver sem nenhuma perspectiva de vida? Até que ponto alguém deve chegar para achar na morte a solução para algo? De que vale uma vida de sofrimento e ilusão? O livro aqui feito, com cada resquício de dores que já f...