Eu continuava a encarar o telefone. Os dedos pressionados ao redor do aparelho, enquanto eu tentava, de todas as formas, reunir coragem para discar os números e completar a ligação.
- Mia, eu preciso usar o telefone – diz minha mãe ao entrar na cozinha.
Desvio o olhar do aparelho e olho diretamente para ela.
- Qual é mesmo o nome daquela pizzaria? – pergunto.
- Qual?- ela pergunta com uma expressão confusa.
- Aquela que fica a algumas quadras daqui– respondo.
- Sim, sei qual é. –ela diz.
- E então? – eu digo.
- Então o que? – ela pergunta de volta.
- Qual é o nome? – digo rolando os olhos.
- Sim – ela fala – Acho que é a Pizza Pallace – ela responde.
- Valeu mãe – eu digo. Levanto da cadeira e passo correndo por ela.
- Mas eu preciso usar o telefone – ela grita.
Ignoro seus resmungos e subo as escadas.
Entro no meu quarto e encosto a porta com uma poltrona, sento na cama, disco os números e espero.
Ouço o primeiro toque... O segundo...
- Pizza Pallace – ouço-o dizer.
Não respondo.
- Alô? – ele fala.
Ouço sua respiração na outra linha... Desligo.
O que eu estou fazendo?
Jogo o telefone sobre a mesinha, me repreendendo pelo meu comportamento infantil. Olho em volta a procura do caderno que a Sarah me deu, e vejo que o quarto está exatamente como eu o deixei, a não ser pelos frascos de remédios que não estão mais lá.
Abro o caderno, sento na escrivaninha e começo a escrever. De inicio são apenas palavras soltas, perdidas. São sentimentos, emoções, medos, frustrações, sonhos, pensamentos, coisas estranhas que estão na minha mente.
No centro psiquiátrico era parte do tratamento mantermos um diário, eles diziam que a escrita é terapêutica, assim como a música.
Enquanto estive lá eu odiava escrever naquele diário, ainda mais porque na maior parte do tempo eu não fazia ideia o que estava sentia, ou do que se passava pela minha cabeça. A minha mente é como o Caos.
Adormeço.
Quando acordo, e olho pela janela, já está escuro. Olho para o relógio, 20: 57.
Salto da cama enquanto um sentimento de impulsividade toma conta de mim. Escovo os dentes, penteio os cabelos, e antes que tenha a oportunidade de mudar de ideia, corro, na ponta dos pés, para as escadas.
Destranco a porta da entrada, e saio, sorrateiramente, para a rua, sentindo o vento frio varrer o meu rosto.
Sigo em direção a pizzaria.
**********
Estou sentada em um banquinho, enquanto observo o movimento da pizzaria. Vejo-o carregar uma bandeja até uma mesa, enquanto parece falar com alguém. Ele sorrir e não resisto a vontade de sorrir de volta.
Por um momento penso se ele não está melhor sem mim, então recordo de suas palavras.
... Às vezes penso que gostaria de encontra-la em uma situação diferente...
Bem - digo a mim mesma- essa pode não ser uma situação ideal, mas é o que posso oferecer no momento.
Continuo esperando.
Alguns minutos depois, não sei exatamente quantos, vejo uma moça ir em direção a saída. Ele a acompanha até a porta e a beija. Sinto um calafrio.
Ela é linda, e percebo que é a mesma garota que eu o vi beijando na noite do incidente com os comprimidos.
Mais uma dor no peito.
Levanto e começo a caminhar em direção a minha casa, quando me forço a parar e dá meia volta.
Calma, Mia – sussurro.
Volto a sentar no banco e encaro o livro em meu colo. É um exemplar de A Redoma de Vidro da Sylvia Plath e não pude deixar de sorrir ao perceber o que aquilo significava.
Abri o livro e folheei as paginas até chegar na de número 4, e comecei a ler.
"Foi um verão estranho, quente e úmido, quando os Rosenbergs foram eletrocutados, e eu não sabia o que estava fazendo em Nova York. Eu sou uma estúpida em relações a execuções. A ideia de ser eletrocutado me deixava aflita, e era o que se tinha para ler nos jornais...".
Eu estava no meio do primeiro capitulo quando algo chama a minha atenção.
Um casal.
Marcus e Bianca vivam cambaleando rua a cima em direção a pizzaria.
De onde eu estava, dava para ouvir a conversa sem nenhuma coerência e as risadas altas e estridentes, ambas causadas pelo possível consumo de álcool.
Deixei uma mão sobre o livro, marcando a pagina, e esperei.
Eles passaram próximos a mim tão inconscientes da minha presença quanto era possível, e entraram na pizzaria.
Vê-los juntos não me surpreendeu, e nem me causou qualquer tipo de reação. Era quase de conhecimento público o fato que de Marcus, meu namorado, me traia com Bianca, minha melhor amiga.
Ignorando o que havia acabado de acontecer voltei minha atenção para o livro e continuei a ler.
"... Manchetes que chocavam, me encarando em cada esquina e em cada entrada das estações de metrô, bolorentas e invadidas pelo cheiro de amendoim.
Não tinham nada a ver comigo, mas eu não podia evitar de me perguntar como seria ser queimado vivo por toda a extensão dos seus nervos.
Acredito que seja a pior coisa do mundo."
Não demorou muito até minha atenção ser solicitada novamente. Interrompi a leitura e levantei os olhos, quando ouvi um barulho vindo da pizzaria.
Observando a cena vi que Bianca e Dylan discutiam, e fiquei me perguntando qual seria o motivo. Bianca levantou-se e arrastando um Marcus, aparentemente relutante, pelo braço começou a ir ate a saída. Marcus parou para dizer algo, e no momento seguinte um soco o atingira bem no meio do maxilar, jogando-o no chão.
Levei uma mão a boca.
Bianca parecia mais irritada que o normal, e parecia gritar com Dylan que balançava a mão direita com a qual deferira o golpe.
Ele virou-se e começou a caminhar na direção contraria, enquanto Bianca abria a porta e arrastava Marcus para fora.
- Tudo por causa daquela vadia – Ouvi Marcus resmungar quando voltaram a passar por mim – todo mundo sabe que ele é de quatro por ela.
Não querendo me gabar nem nada, mas acredito que a vadia de quem eles falavam era eu.
Em mais uma tentativa frustrada de ignorar as distrações, voltei os olhos para a minha leitura e continuei.
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Estilhaços - Repostando
Teen FictionMia é uma garota de 16 anos, cheia de traumas e problemas familiares. Sobrecarregada com obrigações que nem suas são, leva uma vida infeliz, sendo constantemente atormentada por demônios que parecem nunca ir embora. Em um ato de desespero Mia tenta...