Capítulo 35 - Quando o dia começa uma merda, mas acaba maravilhoso

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A cada passo que eu dava rumo à cafeteria, um nó se formava em meu estômago. Ir ao encontro de Clarisse estava me deixando nervosa e ansiosa, com uma vontade enorme de vomitar.

Vê-la era apertar o gatilho para que meu cérebro liberasse todo o passado que eu queria deixar para trás. Eu estava conseguindo seguir a minha vida sem tantos incidentes e quase não lembrando da minha infância, porém foi só Clarisse aparecer e entrar de novo em minha vida que meus pesadelos vieram com força. Cada vez mais detalhados. As vezes que fui tocada e agredida por Edgar, os gritos pedindo socorro à Clarisse, e principalmente a solidão que me afogava constantemente. Era impossível estar em sua presença e não enjoar quando ela tratava-me como filha, quando ela não o fez na época em que deveria.

Clarisse não era a minha mãe e nunca seria. Era uma equação simples que era preciso enfiar na cabeça do juiz.

A cafeteria possuía uma arquitetura europeia, com querubins esculpidos em gesso e erguidos perto de um pequeno chafariz na entrada, um jardim colorido e janelas grandes de madeira e vidros multicolor. Era um lugar boêmio e o jazz clássico tocando em seu interior confirmava isso. Clarisse estava sentada em uma mesa com guarda-sol no lado exterior, duas das quatro cadeiras estavam preenchidas por ela e por um jovem de óculos.

Fui em direção a eles e puxei uma cadeira para sentar paralelamente à Clarisse, ficando com o jovem ao meu lado direito. A minha profunda e sincera vontade era permanecer calada durante as duas horas a seguir, porém supus que o garoto fosse o assistente social que meu pai falara e uma chama de esperança ascendeu dentro de mim. Ele certamente iria perceber que ficar perto de Clarisse não era bom para mim, anotaria tudo isso em sua prancheta e repassaria o relatório do encontro para o juiz cabeça de vento que estava cuidando do meu caso. Só e somente por isso, abri a boca.

— Boa tarde — murmurei sem encará-los, já que eu estava ocupada demais fingindo estar arrumando a minha bolsa sobre as minhas pernas.

— Bom dia, senhorita Whitford. Sou o assistente social que seu pai pediu, pode me chamar de Joseph — o cara apresentou-se. — Não precisa se preocupar com a minha presença, estou aqui apenas como observador.

Assenti lentamente para ele.

— Olá, Branca de Neve.

Alguma coisa revirou dentro do meu estômago assim que Clarisse falou, alguma coisa podre.

— Eu falei para não me chamar assim — rosnei.

— Você falou para não chamá-la de filha, — sorriu vitoriosa. — mas não disse nada sobre Branca de Neve.

Respirei fundo e revirei os olhos.

— Que seja, Clarisse — retruquei com mau humor. — Qualquer que seja o apelido carinhoso que tenha para mim, guarde para você mesma.

O sorriso em seu rosto foi morrendo aos poucos, até dar lugar a expressão triste. Bem, que seja. Não me sentia mal por tê-la tratado assim, se Clarisse não quisesse ser tratada com hostilidade, ela que não me procurasse, oras! Não era como se ela pudesse passar uma borracha em todo o nosso passado e começar comigo do zero. Foram anos de abandono e não havia nada no mundo que me faria amá-la, como pessoa ou como mãe. O único sentimento que eu tinha por ela era a indiferença, tudo o que eu queria dela era a distância.

— Mamãe, mamãe! — uma garotinha loura e com jardineira jeans surgiu gritando animada. — Eles têm um aquário aqui e ele é lindo! — ela tinha um forte sotaque europeu, um sotaque que eu reconhecia de Sally. — Oh! — notou minha presença. — Você chegou!

Florence foi tão rápida que quando notei, seus braços cercavam meu pescoço e sua cabeça estava alojada próxima a minha. O contato inesperado fez com  que meu corpo congelasse, me deixando incapaz de esboçar qualquer reação, inclusive de retribuir o gesto. No fundo, eu não sabia se deveria fazer isso. Tão rápido ela me abraçou, soltou e sentou-se entre mim e Clarisse.

Por trás do gelo [Em revisão]Onde histórias criam vida. Descubra agora