texto numero 14

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Entre tantos que já te escrevi, este é, provavelmente, o último que o faço.
Tem sido complicado. Foi um naufrágio repentino e inesperado, apesar de previsível.
Eu naufraguei. Eu não tinha conhecimento disso. Simplesmente, de um minuto ao outro, eu estava submersa. Eu estava submersa em algo que eu mal sabia o que era. Eu mal sabia onde eu estava, eu mal conhecia os monstros que eu estava enfrentando naquela imensidão de não-sei-o-quê.
Eu entendi. Apesar de não possuir o raciocínio tão aguçado quando estou submerso a algo (você), eu entendi. Eu entendi que eu não estava dançando com você lá em cima, no navio. Eu entendi que eu não podia estar com você. Pra falar a verdade, estou bem com isso, porque eu te desconheci. Eu não conheço mais aquela pessoa com quem eu passava todas as manhãs do meu cruzeiro, rindo e explorando céus (inclusive os das nossas bocas).
Já fazem alguns meses desde que te desconheci. Já fazem alguns meses desde que naufragamos (ou melhor, naufraguei).
É bizarro o fato de eu continuar vivo, mesmo afogado e perdido há semanas. Eu devo ser uma sereia.
Eu nos assemelho profundamente a Ariel e Eric. Eu estou aqui, submerso nesse oceano que você é. Vejo-te feliz, vivendo tua vida na superfície, fazendo o que bem entender (pois você pode tudo) com suas perninhas. Eu estou aqui em baixo, nadando infinita e perdidamente com a minha cauda, mas eu nunca chego a lugar algum.
Eu só queria estar na superfície, como você. Eu só queria não me importar, como você.
Assim como Ariel, eu ignorei as palavras de meu pai e de meus conselheiros, e te tornei o meu mar. Eu mergulhei nos teus olhos e vi, ali, a verdade (talvez).
Será que a imensidão em que me encontro perdido são os teus olhos?
Eu cantava para você, e, em algum momento, achei que tinha você na palma das minhas mãos. Parece que eu tinha apenas sal, como o do mar, escorrendo pelas minhas mãos até acabarem. Eu já não tenho mais nada, além das feridas que o sal (você) me causou. Talvez você fosse apenas uma miragem.
Todas as noites, visito Úrsula, a bruxa do mar (meu psicológico), ela me leva até você. Logo, me afogo em outra imensidão, também conhecida como “Minhas Lágrimas”.
Você se lembra do final da história de “A Pequena Sereia”? Digo, o verdadeiro final? Nós lemos essa história juntos. Ariel chega à superfície, encontra Eric. Encontra Eric com uma garota, alegre, tranquilo e, espantosamente (Ariel não conhecia esse sentimento), despreocupado. Uma angústia profunda toma conta do coração de Ariel, e, não mais sereia, ela se lança ao mar.
Mas todos têm o seu naufrágio, em algum momento de sua vida. Pode parecer que não, mas sobrevivemos.

Eu vou sobreviver a você.

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